Um dos medicamentos mais vendidos no mundo, a semaglutida, comercializada pela empresa dinamarquesa Novo Nordisk, tanto como Ozempic, para diabetes como Wegovy, para obesidade, acaba de acrescentar uma potencial indicação à sua lista de benefícios: uma redução de 30% no consumo diário de álcool para as pessoas que receberam a medicação.
Segundo um artigo, publicado recentemente na revista JÁMA Psychiatry, em “ensaio clínico randomizado, em relação ao placebo, a semaglutida em baixa dosagem reduziu a quantidade de álcool consumida durante um procedimento de autoadministração laboratorial pós-tratamento”.
Para o primeiro autor do estudo, Christian Hendershot, psiquiatra da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, as injeções de semaglutida, aplicadas durante nove semanas, não só reduziram o consumo em pessoas com sintomas de transtorno por uso de álcool (TUA), quando comparadas às que receberam um placebo, mas também diminuíram o desejo dos pacientes pela substância.
Testando o consumo de álcool em laboratório
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Para o teste, os autores selecionaram 48 participantes, sendo 34 mulheres, com diagnóstico de transtorno de uso de álcool, e que não estavam ativamente procurando tratamento para essa condição. Conhecida popularmente como alcoolismo, a doença crônica é caracterizada por vários sintomas, sendo o principal deles a incapacidade de interromper ou controlar o consumo de álcool, mesmo quando isso está causando problemas pessoais.
Antes da primeira injeção, os participantes beberam suas bebidas alcoólicas preferidas em laboratório por duas horas, podendo adiar o consumo se quisessem. Registrados os atrasos e as bebidas consumidas, eles foram divididos aleatoriamente para receber Ozempic ou placebo semanalmente, por nove semanas, com monitoramento contínuo do consumo alcoólico. Posteriormente, eles voltaram ao laboratório para repetir o experimento inicial.
Os resultados mostraram que os participantes que receberam injeções de semaglutida consumiram menos álcool no laboratório, medido por gramas consumidas e concentração no hálito. Já as avaliações clínicas revelaram uma redução no desejo semanal por álcool, menor consumo em dias de bebida e diminuição de episódios de consumo pesado, comparado ao placebo, o que é potencialmente mais eficaz que os atuais medicamentos para TUA.
Importância da semaglutida na redução do desejo por álcool
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Um resultado secundário, mas não menos importante, observado no estudo foi que, entre um pequeno subgrupo de participantes que fumava enquanto bebia, no início do estudo, os que foram tratados com a semaglutida apresentaram uma redução significativa na média de cigarros por dia, em relação aos do grupo placebo.
Atualmente, o consumo de álcool e cigarro são, juntamente com a obesidade, as principais causas evitáveis, mortalidade e mortes por câncer. Por isso, embora essa redução tenha sido observada em apenas sete pessoas no grupo placebo e seis no grupo de tratamento, a descoberta é muito importante, uma vez que não existem medicamentos aprovados até agora para redução de álcool e cessação do tabagismo.
Os autores alertam que, apesar de animadores, esses dados ainda são preliminares, e o número reduzido de participantes demanda coortes maiores. Com o aumento do uso clínico do medicamento, serão necessários mais estudos para avaliar seus efeitos de longo prazo no consumo de álcool, bem como as doses e durações ideais do tratamento, que deverão ser diferentes das indicadas para diabetes e obesidade.
Possíveis novas aplicações da semaglutida em tratamentos
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Para a autora sênior do estudo, Klara Klein, professora da Universidade da Carolina do Norte nos EUA, as futuras pesquisas devem se concentrar em entender por que os agonistas do receptor GLP-1, que ajudam a controlar o apetite, também reduzem o desejo por álcool. Em um comunicado, a médica afirmou que esses efeitos são provavelmente mediados no cérebro, e na maneira como esse órgão avalia e responde a estímulos que geram prazer ou satisfação.
É importante destacar que a semaglutida, um medicamento desenvolvido originalmente para o tratamento de diabetes tipo 2, acabou se revelando útil no tratamento da obesidade e, posteriormente, em um leque de condições inesperadas que estão sendo investigadas, como osteoartrite, esteatose hepática, demência e doenças renais.
Porém, como ocorre com qualquer medicamento, a semaglutida pode apresentar alguns efeitos colaterais, alguns mais comuns e temporários, como náuseas; e outros, mais graves e raros, como o encolhimento dos músculos cardíacos. Isso porque o medicamento altera a bioquímica do corpo com consequências imprevisíveis, tanto positivas quanto negativas, que continuam sendo descobertas e avaliadas ao longo do tempo.
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