No Brasil, desde 2014, uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) determinou como prática abusiva o uso de publicidade direcionada ao público infantil, mas em países como Estados Unidos, a prática é considerada legal.

A AAP Publications estima que os jovens e crianças são expostos a mais de 40 mil anúncios por ano apenas na televisão, sendo que estão cada vez mais expostos na internet. 

Um estudo ressalta que a exposição infantil à publicidade tem sido associada ao consumo de alimentos menos saudáveis, aumento do materialismo, aumento do conflito familiar, imagem negativa corporal, uso de tabaco e álcool.

Contornando um problema com outro

(Fonte: Stuff Nobody Cares About/Reprodução)(Fonte: Stuff Nobody Cares About/Reprodução)

Como já diria o artigo de Mireya Navarro para o The New York Times: “Onde havia fumaça, havia uma estrela”, e foi assim que os EUA, especificamente a indústria de Hollywood, ajudou a glamorizar ainda mais o hábito de fumar no século passado.

Nas telas, o cigarro ajudava a moldar um personagem, adicionava atmosfera, despertava o apelo sexual e ficava muito bom na câmera. Alguns atores esbanjavam o uso da fumaça para ficar bom em seus close-ups.

Já para a economia, era melhor ainda, principalmente após a Primeira e Segunda Guerra Mundial, com números que atingiram mais de 50% de todas as vendas de tabaco em 1941. O consumo de cigarros per capita aumentou de 54 por ano em 1900, para 4.345 em 1963.

As pessoas foram endossadas a fumar até por tendenciosas campanhas de venda de cigarros apoiadas por declarações de médicos, até que os números de câncer de pulmão, que dispararam exponencialmente, passaram a ser associados com estudos científicos provando serem frutos do tabagismo.

(Fonte: NBC News/Reprodução)(Fonte: NBC News/Reprodução)

Entre 1980 e 1990, muitos governos estaduais e locais começaram a proibir o fumo em locais de trabalho, restaurantes, aviões e outros ambientes fechados, aumentando até os impostos sob o tabaco na esperança de reduzir sua incidência na população americana. Limitou também campanhas e promoções do produto para desencorajar o uso por adolescentes, instaurando programas de saúde para o combate ao tabagismo.

Isso tudo só foi possível após o Congresso banir comerciais de cigarros das televisões e rádios americanas, fazendo os níveis de tabagismo caírem significativamente em 1971. Com todas essas restrições, a indústria do tabaco, para tentar recuperar seu público e continuar gerando toneladas de dólares para a economia, investiu na mudança de a percepção do público sobre o hábito de fumar, fazendo do tabagismo uma “prática social”, não um vício.

O desastre publicitário

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Com todo esse caos permeando a indústria de cigarros e a sociedade americana, em 1988, a empresa R. J. Reynolds Tobacco Company decidiu apostar em algo diferente para o aniversário de 75º do cigarro Camel.

Apesar de um slogan muito expositivo (“75 anos e ainda fumando!”), eles alegaram que visavam afastar os fumantes da Camel das concorrentes e também da ideia de que o hábito fazia tão mal assim. Para tanto, eles utilizaram o desenho de um camelo antropomorfizado, projetado em 1974 pelo artista britânico Nicholas Price, baseado na figura do camelo da Camel (conhecido como Old Joe), porém mais novo e com um visual descolado que inspirava a década de 1980.

(Fonte: CSTS/Reprodução)(Fonte: CSTS/Reprodução)

Dessa maneira, a Reynolds imaginava que, usando um personagem “mais suave” para associar ao cigarro, ajudaria a dar uma imagem melhor para o tabaco, contudo, o tiro saiu pela culatra, e a jogada de marketing criou um desastre sem precedentes. 

Alegaram que as campanhas publicitárias da Camel transmitiam uma realidade alterada sobre a vida adulta, com mulheres, bebidas alcoólicas e esbórnia; atingindo mais o público infantil, por se tratar de um desenho, e jovem pelo estilo de vida.

Uma tempestade de debates entre comunidades acadêmicas, políticos e a mídia repercutiu pelos EUA questionando as intenções da Reynolds. Será que o desenho Joe Camel visava, subliminarmente, atingir as crianças e jovens na tentativa de prepará-los para se tornarem futuros fumantes?

Estragos definitivos

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Para Roy Burry, vice-presidente sênior da Kidder, Peabody & Company, o fumante acima de 21 anos era o mais valorizado pela indústria, visto que continuaria fumando por muito mais tempo do que um fumante mais velho, que acabava morrendo ou parava de fumar.

O estudo do Dr. Joseph R. DiFranza para a Universidade de Massachusetts, indicou que as campanhas publicitárias que apresentavam fumar como algo prazeroso, popular e atraente, facilmente poderiam convencer os jovens de que eles também gostariam do hábito.

Ainda assim, a Reynolds seguiu afirmando que Joe Camel foi apenas uma tática de mercado padrão destinada a persuadir fumantes adultos a mudarem para a Camel de marcas como Marlboro. E deu certo, porque a marca se tornou uma das mais populares do país.

Isso, por um lado, foi bom para os números da empresa, mas também serviu para colocá-la no epicentro do pior escândalo: crianças se tornaram tão familiares com Joe Camel quanto com o Mickey.

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Quatro anos após a primeira campanha, o Journal of the American Medical Association concluiu um estudo indicando que o personagem da marca de cigarros era tão conhecido e popular entre as crianças quanto o Mickey, mesmo sem publicidade passando na televisão. Das 229 pré-escolas onde o estudo foi elaborado, quase 30% das crianças de 3 anos, e mais de 90% daquelas com 6 anos, relacionaram corretamente Joe Camel a um cigarro.

A pesquisa da Universidade da Califórnia revelou que, entre 5.040 jovens da cidade, 22% das meninas e 25% dos meninos escolheram Camel para fumar. Um artigo do The New York Times mostrou que desde o início da campanha, em 1988, o Camel se tornou a escolha de um quarto a um terço dos fumantes com menos de 18 anos, sendo que antes da campanha, menos de 1% dos menores fumavam a marca. Além disso, nas pesquisas, os jovens se mostraram mais familiarizados com o logotipo da Camel do que os adultos no país.

Apesar de toda a discussão, a marca só começou a sair de cena em 1950, por não vender cigarros com filtro, não conseguindo competir com as demais empresas. Eles até tentaram fazer campanhas tão apelativas quanto a de Joe Camel, porém não tiveram sucesso, mas, de qualquer forma, o estrago já havia sido feito — e os lucros colhidos por um longo tempo.

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