O Pix, meio de pagamento mais popular entre os brasileiros atualmente, não terá mais fiscalização sob transações. O governo recuou de uma medida mais rígida de monitoramento sobre transações, em especial após protestos da população e o espalhamento de notícias falsas sobre o assunto.
Embora o governo não tivesse planos de taxar as transferências via Pix, esse foi o medo de muitos brasileiros, além de virar até tema de golpe digital.
Após o anúncio feito na quarta-feira (15), que faz as regras antigas voltarem a funcionar, especialistas da área tributária se dividem sobre o que isso significa para a Receita Federal e quais são os impactos para o governo e a população.
O que o governo revogou exatamente?
O governo brasileiro voltou atrás na Instrução Normativa RFB nº 2.219/24, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2025. Ela tratava das novas regras de monitoramento sobre transações financeiras no país, a partir de dados repassados por bancos, fintechs e outras instituições do setor.
Estavam na mira do governo movimentações mensais acima de R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas. Essas transferências não seriam taxadas ou consideradas ilegais, mas poderiam passar por uma análise mais detalhada em busca de eventuais inconsistências fiscais ou tentativa de fraude.
“Na prática, haveria ampliação de uma fiscalização que hoje já é realizada pela Receita Federal, agora mais minuciosa“, explica Quézia Queiroz, advogada tributarista do Paschoini Advogados.
Em nenhum momento foi citado oficialmente que o Pix teria algum tipo de imposto. Essa possibilidade, porém, virou uma fake news que se espalhou dentro e fora da internet, gerando críticas da população e fazendo até pequenos comerciantes pararem de aceitar o meio de pagamento.
“Para haver tributação sobre o Pix, teria que haver uma emenda constitucional que autorizasse esse tipo de cobrança“, pontua Mary Elbe Queiroz, professora e presidente do Centro Nacional para a Prevenção e Resolução de Conflitos Tributários (CENAPRET).
O recuo foi positivo ou negativo?
Para Quézia, a revogação pode trazer consequências negativas para o governo, em especial pela ação de voltar atrás após todo o caso. “A revogação de um ato recém estabelecido demonstra descompasso e desorganização, além de gerar insegurança para a população“, argumenta.
A advogada relata que até mesmo empresas consolidadas e que não seriam afetadas pelo novo monitoramento ficaram com receio de um novo imposto ou desconheciam as novas regras.
A revogação, porém, pode ser vista a partir de um lado positivo: ela reduz os impactos da desinformação e devolve ao Pix o status de meio de pagamento rápido, eficiente e prático — algo que estava ameaçado após a confusão, com uma queda brusca nas transações já notada nos primeiros dias de 2025.
“Essa decisão trouxe tranquilidade tanto para as pessoas físicas quanto para pequenos e microempresários, preservando a confiança no Pix como um meio de pagamento prático e gratuito”, defende Rejane Lucena, Tax Compliance do escritório Briganti Advogados.
Ainda assim, ela também reforça que o recuo “foi amplificado por questões políticas” e piorou o clima de desconfiança e pressão da população.
As duas especialistas tributárias também concordam em um ponto: havia sentido na preocupação de micro e pequenos empresários em relação ao tema, em especial pela desinformação que circulava sobre um “imposto do Pix”.
“Esses empresários dependem de métodos de pagamento ágeis e de baixo custo, e qualquer ameaça à gratuidade do Pix poderia impactar diretamente suas operações financeiras“, explica Rejane. Valores movimentados por categorias como feirantes, ambulantes e motoristas de aplicativo, por exemplo, poderiam entrar no radar da Receita Federal e antes passavam despercebidos.
Como fica o monitoramento agora?
Com o recuo do governo sobre a medida, as regras de fiscalização sobre transações de pessoas físicas e jurídicas voltam ao mesmo status anterior, antes de 2025.
Isso significa que operações realizadas por cartão de crédito e depósito bancário seguirão monitoradas pela Receita Federal a partir do envio desses dados pelas instituições bancárias.
Já as mudanças são as seguintes:
- o Pix não será um meio de pagamento monitorado por esse sistema;
- os limites voltam aos valores anteriores e a fiscalização segue em movimentações superiores a R$ 2 mil em pessoas físicas e de mais de R$ 6 mil para empreendedores ou empresas;
- instituições que lidam com maquininhas de cartão e fintechs não terão a obrigação de repassar os dados.
O próprio Governo Federal apresentou nesta quinta-feira (16) uma Medida Provisória (a MP nº 1.288/2025) para “reforçar as regras já existentes sobre as transações financeiras via Pix” e garantir que elas são comparáveis às movimentações em dinheiro, ou seja, livre de tributos.
No caso de bancos tradicionais, essas informações sobre transações seguem sendo enviadas desde 2003. Ainda assim, como reforça Mary Elbe, as mudanças não significam que a própria Receita Federal perde a capacidade de combater a sonegação de impostos.
“O direito de fiscalizar é garantido na lei complementar nº 105 e o Supremo Tribunal Federal (STF) já disse que a Receita pode pedir informações para garantir isonomia entre os contribuintes que pagam e os que não pagam”, tranquiliza a advogada.