Desde os primórdios do cinema, a perspectiva em primeira pessoa tem sido uma ferramenta de imersão, mas poucas vezes foi utilizada com tanta intencionalidade e impacto como em Nickel Boys.
Dirigido por RaMell Ross, o filme lançado em 2024, que está presente no Oscar 2025, não apenas experimenta essa técnica — ele a eleva a um novo patamar, transformando-a em parte essencial da narrativa.
Nickel Boys inova e causa ótimas impressões
Baseado no romance homônimo de Colson Whitehead, vencedor do Prêmio Pulitzer, Nickel Boys acompanha Elwood Curtis e Turner, dois adolescentes negros presos em um reformatório brutal na Flórida segregacionista dos anos 1960. Ross, conhecido por sua abordagem visualmente poética no documentário Hale County This Morning, This Evening, propõe algo audacioso: contar essa história inteiramente pela perspectiva dos protagonistas, fazendo com que o espectador veja o mundo exatamente como eles o veem.
A opção de filmar integralmente em primeira pessoa não é uma mera questão estética. Ela se entrelaça organicamente à temática do filme, gerando uma experiência emocional intensa e íntima. Ao contrário de produções anteriores que exploraram essa técnica para aumentar a adrenalina — como Hardcore Henry (2015), que simulava a dinâmica de um videogame —, Nickel Boys a usa para criar vulnerabilidade e empatia.
Como Nickel Boys utiliza o POV?
O filme brinca com a forma como a câmera influencia a percepção do público. Quando estamos na perspectiva de Elwood, estamos constantemente observando Turner, e vice-versa. Isso reforça o vínculo entre os personagens e nos faz sentir suas emoções de maneira visceral. Pequenos detalhes se tornam centrais: um olhar de medo, um sussurro de consolo, o tremor de uma mão hesitante. Como explicou Jomo Fray, diretor de fotografia do filme, “A imagem precisava permitir que você vivesse a vida junto com Elwood e Turner, não apenas os assistisse de fora.”
A execução dessa visão exigiu uma reinvenção completa da linguagem cinematográfica. Como criar um plano de estabelecimento em um filme onde a perspectiva é fixa? Como fazer cortes e transições sem quebrar a imersão? A solução encontrada por Ross e Fray foi abraçar a bagunça. O olhar humano é imperfeito, sempre um pouco atrasado, um pouco errante. Para capturar essa naturalidade, a equipe testou diversos equipamentos, desde chest mounts e capacetes com câmeras até rigs customizados que permitiam aos próprios atores filmar certas cenas.
O resultado é uma cinematografia que se sente viva, orgânica, quase como se estivéssemos dentro do corpo dos personagens.
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A abordagem também exigiu uma atuação diferenciada. Ethan Herisse e Brandon Wilson, que interpretam Elwood e Turner, respectivamente, precisaram reaprender a interagir com a câmera. “Não podíamos ignorá-la, mas também precisávamos transformá-la em parte de nossa performance”, disse Wilson. Olhar diretamente para a lente, em vez de para um colega de cena, tornou-se um novo desafio, que ambos os atores dominaram com maestria.
Mesmo com toda essa experimentação, Nickel Boys não é apenas um filme sobre técnica. Ele é, antes de tudo, um retrato poderoso sobre identidade, sobrevivência e o impacto de uma história silenciada por décadas. A escolha do primeiro plano não é uma firula visual, mas um modo de devolver a esses personagens — e, por extensão, a todas as vítimas reais do sistema racista da época — um olhar próprio, uma presença inegável.
Com sua ousadia técnica e profundidade emocional, Nickel Boys já se consolidou como um marco na história do cinema. Ao desafiar convenções e reinventar o modo como enxergamos uma história, Ross prova que a câmera não é apenas um meio de contar narrativas, mas uma ferramenta de transformação e memória.
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