Não deixe de acessar | Don't forget to access | Clique aqui

Embora hoje a franquia Killer Instinct seja vinculada à Microsoft, ela já viveu seu auge como um exclusivo muito forte da Nintendo. Originalmente, o game começou a ser desenvolvido em meados de 1993 pela Namco, hoje conhecida como Bandai Namco, a criadora de Tekken.

Ken Lobb era desenvolvedor de games na filial americana da empresa e queria criar um jogo de luta, pois era fã dos games da SNK. A cada novo lançamento da linha NEO GEO, ele corria para os fliperamas para conhecer as novidades que a companhia japonesa tinha a oferecer. Isso despertou nele o sonho de fazer algo similar, nascendo, assim, o desejo de criar seu próprio jogo de luta perfeito.

Quando finalmente obteve a aprovação da Namco, Lobb começou a desenvolver o que viria a ser Killer Instinct. Naquela época, o jogo se chamava Melee e já estava no começo de um desenvolvimento promissor. No entanto, o projeto sofreu um surpreendente revés no planejamento

Ken Lobb à direita
Ken Lobb à direita

Weaponlord antes de tudo

Ao mesmo tempo em que Melee começava a ser planejado na Namco, na rival Capcom, o jovem James Goddard, co-criador da atualização Street Fighter 2 Champion Edition e responsável pelo nascimento do personagem clássico DeeJay na franquia, estava querendo desenvolver um novo jogo de luta. Algo que ele já planejava há muito tempo e que teria um foco medieval, com o nome de Weaponlord.

No entanto, como revelou em entrevista à Gamespot, Goddard estava insatisfeito com as políticas internas da Capcom. Por isso, não hesitou quando seu parceiro de jogatinas nos fliperamas da SNK, Ken Lobb, ligou para oferecer-lhe a oportunidade de entrar na equipe do projeto secreto que ele estava desenvolvendo, o tal jogo de luta chamado Melee.

Quando Goddard chegou à Namco, a empresa analisou seu currículo e não apenas o incluiu na equipe, mas deu-lhe o controle de todo o projeto, inclusive da equipe de Lobb, substituindo o criador original. Isso aconteceu porque, logo após contratar James, Ken recebeu uma proposta irresistível para trabalhar na Nintendo em um cargo importante, adiando assim Killer Instinct da Namco para dar lugar ao jogo dos sonhos de Goddard, Weaponlord. No entanto, algo parecia querer que o jogo de Lobb acontecesse.

Como conta o documentário FIGHT ON: The Killer Instinct Story, na Nintendo, Lobb basicamente tinha o trabalho de viajar pelo mundo para conversar com os estúdios, acompanhar o desenvolvimento dos jogos em que a empresa estava investindo ou encontrar novos jogos bons para investir. Em uma de suas primeiras viagens, em meados de 1993, ele foi até o interior da Inglaterra, em uma área quase rural, para conversar com o estúdio Rareware, hoje conhecida simplesmente como Rare.

A Gloriosa Parceria da Nintendo com a Rare

O estúdio queria investir pesado em alta tecnologia de uma empresa chamada Silicon Graphics, especializada na criação de supercomputadores para processamento gráfico, que tinha no currículo o visual do filme Jurassic Park. A Rare gostou muito de trabalhar com os computadores da Silicon e queria mais recursos para criar jogos fora de série. O plano era conquistar a confiança da Nintendo para que ela comprasse mais computadores da linha Onyx da Silicon Graphics para o estúdio.

No entanto, não faria sentido para a Nintendo investir um valor absurdo para melhorar o estúdio de terceiros, em vez de investir nos próprios estúdios. Cada computador daqueles custava 250 mil dólares, um valor altíssimo, ainda mais há 30 anos. Mas algo aconteceu. Lobb intermediou uma negociação bastante inusitada: a Rare provaria seu valor transformando qualquer franquia da Nintendo, a escolha dela, em um sucesso ainda maior do que já era, usando um dos computadores da Silicon Graphics. Um desafio e tanto.

Após uma reunião para mostrar a primeira fase desse jogo e apresentar os custos absurdos para produzi-lo em grande escala, Lobb foi surpreendido. A Nintendo misteriosamente não só aprovou a compra dos supercomputadores da Silicon Graphics, como encomendou aquele jogo e mais outros três para a Rare, sem explicar exatamente para qual plataforma eles seriam destinados.

Aquele jogo que eles mostraram era o agora clássico Donkey Kong Country, e foi graças a esse jogo de plataforma com macacos e bananas que Killer Instinct começou a nascer. Mas o motivo misterioso que fez a Nintendo topar essa empreitada milionária é bem curioso e tem ligação com Mortal Kombat. Mas guarde essa informação, porque ela será muito importante mais adiante, no final dessa história.

Brute Force

Após um tempo matutando ideias, uma reunião foi marcada para a Rare apresentar os três projetos novos solicitados pela Nintendo. O segundo jogo que o estúdio sugeriu desenvolver era um game de luta realista e urbano chamado Brute Force, que já contava com vários concept arts e ideias prontas.

De acordo com o documentário The Making of Killer Instinct, do Rare Replay, o grande diferencial do jogo seria a possibilidade de gastar uma ficha para personalizar o balanceamento de um lutador, podendo decidir a velocidade, força e defesa dele. Esses ajustes seriam salvos de alguma forma em um código de barra, a ser impresso e lido pela máquina sempre que o recurso fosse usado — uma ideia similar aos memory cards criados pela SNK para os produtos Neo Geo.

O projeto era ousado, mas muito complicado, podendo trazer diversos problemas na jogabilidade, além de limitar as possibilidades do jogo. Em resumo, o game não tinha combos. Além disso, quanto mais você jogasse, mais pontos de experiência seu personagem ganharia, ficando cada vez mais forte, transformando o jogo em um “pay to win” e desbalanceando tudo.

Para ser mais exato, o jogo seria basicamente um meio termo entre a jogabilidade limitada de Street Fighter e o visual e atitude agressiva de Mortal Kombat. Não que isso fosse algo ruim, afinal, eram duas das três maiores franquias de luta do mundo naquele momento. Mas foi aí que Lobb brilhou: ele adicionou o que faltava para completar a trindade dos jogos de luta da época: um toque da sua amada SNK.

Conceito do sistema de impressão de código de barra com os dados dos personagens
Conceito de logo e do sistema de impressão de código de barra com os dados dos personagens

Killer Instinct nasce

Como Lobb conta no documentário do canal Hold Back to Block, ele decidiu parar a reunião com os ingleses da Rare e com a Nintendo por exatos 20 minutos para desenhar e mostrar os conceitos e ideias que ele havia guardado sobre combos, auto-combos, combos de finalização e tudo o que ele viu e se apaixonou jogando os jogos da SNK.

Sabe o Ultra-Combo, tão icônico de Killer Instinct? Ele foi inspirado no especial de Kim Kaphwan, de Fatal Fury. Lobb admite que se baseou nessa ideia. Na verdade, todo o sistema de combos de Killer Instinct começou copiando a SNK e seus jogos de Neo Geo. Eu vou explicar melhor usando as palavras do próprio criador da franquia.

No jogo World Heroes, feito pela ADK e publicado pela SNK para Neo Geo, o lutador Dragon podia acertar dois golpes se você apertasse o botão duas vezes. Como esse golpe se conecta a uma voadora do personagem, você podia usá-la para iniciar uma sequência e apertar o botão novamente, gerando três hits e criando um combo simples.

Isso não é nada que já não existisse em Street Fighter, mas e se aumentássemos ainda mais as combinações e as possibilidades de combos, permitindo que os jogadores os fizessem manualmente, da forma que quisessem, em vez de ser algo automático, como o que Kim fazia? Aí você teria combos muito mais longos, bonitos e recompensadores.

Só que isso cria outro problema: se um jogador realizar três ou quatro combos longos como os de Kim durante a partida, o adversário ficaria parado, apenas observando. Então, Lobb criou uma forma de interromper esses combos utilizando outra sequência: os Combo Breakers, que são comandos feitos na hora certa para interromper o combo adversário e dar vantagens permanentes para quem os acerta, criando um jogo mental sobre prolongar ou não um combo.

O especial de Kim, quando usado como último recurso, é uma forma linda de vencer a partida, pois é executado quando o personagem está com pouca vida, tornando-se uma finalização imparável, o Ultra Combo. Nascia assim a maior marca da franquia e o conceito de Killer Instinct, de acordo com o próprio Lobb: início do combo, combo, ultra combo e combo breaker.

Como fazer um jogo de luta?

A Rare não tinha experiência em fazer jogos de luta, por isso Brute Force simplesmente buscava copiar o que estava dando certo: as possibilidades limitadas de gameplay de Street Fighter e as finalizações e o botão de defesa de Mortal Kombat. Porém, com as ideias de Lobb, copiando a SNK, o jogo deixou de ser apenas mais um clone para juntar o melhor das três maiores empresas de jogos de luta da época.

Por isso, foi encomendado um protótipo. Só que havia um problema: Lobb é americano e a Rare é inglesa, e naquela época não havia internet como temos hoje para fazer tudo online, o que gerou situações inusitadas.

Após a aprovação do projeto, Ken Lobb teve que passar uma semana na Rare para tentar passar o máximo de ideias possíveis, de forma que eles entendesse como criar um jogo de luta. No mês seguinte, quando voltou à Inglaterra para ver o resultado das capturas de movimento, Lobb encontrou um personagem feito para testes. O nome dele era Jago, mas havia um problema: ele era praticamente o Ryu, só que vestido de ninja.

Para fazer um jogo de luta, primeiro você cria um lutador para servir como base de balanceamento geral do jogo. Os movimentos desse lutador estabelecem a base do gameplay. Ryu é esse “fiel da balança” em Street Fighter, Sub-Zero e Scorpion sempre foram os primeiros a serem feitos no desenvolvimento de todos os jogos de Mortal Kombat, e Jago foi o começo de Killer Instinct.

Só que, como ele era exatamente igual a Ryu, também não tinha grandes combos. Na verdade, a Rare nem sabia fazer combos e não tinha certeza de que o projeto daria certo. Então, Ken Lobb viajou até lá mais uma vez e criou pessoalmente o primeiro combo de Killer Instinct, mas, mesmo assim, eles continuavam não acreditando no jogo. Faltava alguma coisa.

Em uma luta normal, além da parte visual, o que mais te faz acreditar que o golpe aplicado foi forte ou sentido pelo adversário? O que mostra o impacto do golpe? O som que ele faz!

Desde Street Fighter 2, os jogos de luta possuem sons diferentes para cada tipo de golpe e impacto. Então, Lobb explicou como isso se encaixa no combo e faz com que ele realmente tenha impacto ao ser executado, deixando claras as instruções sobre como criar e inserir esses sons nos combos.

Dias depois, os funcionários da Rare ligaram para Lobb, falando aos berros no telefone: “Nós acreditamos!” e mostraram o combo de Lobb com o áudio e as vozes feitas por eles para Jago. Eram duas da manhã na Inglaterra, e eles ficaram até aquela hora trabalhando para fazer acontecer. Foi nesse momento que perceberam que poderiam criar um grande jogo de luta. A partir dali, a Rare passou a querer ver o jogo acontecer.

Equipe da Rare. Em pé: Rob Harrison, Martin Hollis, Mark Betteridge, Chris Tilston, Robin Beanland e Ken Lobb. Em baixo: Chris Seavor e Graeme Norgate.
Equipe de Killer Instinct. Em pé: Rob Harrison, Martin Hollis, Mark Betteridge, Chris Tilston, Robin Beanland e Ken Lobb. Em baixo: Chris Seavor e Graeme Norgate.

O som de Killer Instinct

Os sons e falas de Jago foram feitos com um microfone ligado a um gravador de fita K7 no chão por horas durante a madrugada. A voz de Glacius não é simplesmente um efeito sonoro; o mesmo artista que fez Jago foi para o estúdio e encheu a boca de iogurte para criar a forma de se comunicar do alienígena de gelo.

Já o icônico locutor é um dos engenheiros de software da Rare, Chris Sutherland, que, embora pareça mirrado, possui uma voz poderosa. Ele também é o locutor de Battletoads Arcade. Eles haviam tentado diversos outros locutores, mas quando Chris chegou no estúdio e abriu a boca, todos disseram: “uau!”

Em Killer Instinct, quanto mais hits o combo tem, mais alto colocaram o volume do locutor anunciando o nome do combo, e mais alto o locutor gritava, chegando até 40% acima do volume base. Por causa disso, quase quebraram o microfone do estúdio na hora de gritar o ULTRA COMBO. Claro que, quase 30 anos depois daquilo, ele não tem a mesma voz, mas ainda continua poderosa! Mas havia uma tática maior nisso.

Como Ken Lobb explica, o som do game é inicialmente baixo para forçar as pessoas a aumentarem o volume do arcade. Só que, conforme os jogadores vão aprendendo a jogar, maiores são os combos que eles fazem, e mais alto o volume do narrador vai ficando. Assim, quando acontece um Ultra Combo ou um COOOOOOMBO BREAKER, o som está tão alto que ecoa nas casas de fliperama, chamando muita atenção para o arcade de Killer Instinct. Genial, né?

Killer Kuts, a OST de Killer Instinct

Como a Rare estava trabalhando com um novo nível de qualidade, o áudio era muito importante, pois eles queriam impressionar, não só colocando trilhas de fundo, mas criando verdadeiras músicas pop para o game. Por isso, decidiram contratar ex-integrantes de bandas, entre eles um bancário.

https://www.youtube.com/watch?v=videoseries

Robin Beanland fazia composições freelance para a TV, como comerciais de salsicha, segundo ele mesmo. Já Graeme Norgate não tinha estudos formais ou um grande currículo na função, apenas amava compor músicas após chegar em casa do seu trabalho em um banco na Inglaterra. Ambos entraram no mesmo dia na Rare, em 5 de abril de 1994, e estrearam como compositores do estúdio em Killer Instinct.

Segundo Graeme, ao Video Game Music Online, eles compuseram pensando em fazer um CD de uma banda, não uma trilha sonora normal. Por isso, focaram nos cenários dos personagens, ao invés do enredo do jogo. Juntos, não só compuseram todas as músicas de Killer Instinct, como também do clássico 007 Goldeneye. Além disso, separados, eles criaram vários outros grandes sucessos dos games até hoje, como Crysis e Perfect Dark para Graeme, e Super Smash Bros. e Banjo-Kazooie para Robin. Um verdadeiro achado feito pela Rare.

Graeme e no estúdio da Rare em 1994
Graeme e Robin na mesa de som da Rare em 1994.

Na época, a Rare nem tinha um estúdio de gravação competente para esse tipo de trabalho, e a maioria do equipamento era emprestado pelos próprios músicos. A sala era escondida e tinha um teto alto, o que causava muito eco. Por isso, precisaram improvisar uma cabine de gravação, instalando varais em um canto do escritório e colocando cobertores para isolar o som do microfone corretamente.

Por serem novatos, não tinham acesso a nada além do básico, então escreviam faixas de introdução gigantescas, como a da música tema de Sabrewolf, a primeira a ser feita, mas que, posteriormente, não teria como entrar no jogo, pois simplesmente não cabiam. Um exemplo de como estavam é que uma das músicas feitas para Killer Instinct acabou sendo adaptada e entrou em Donkey Kong Country.

Apenas quando finalmente viram como Killer Instinct se apresentava como jogo, as composições, tão referenciadas, começaram a ser influenciadas pelo que os companheiros de equipe ouviam no escritório na época.

Elas se tornaram tão icônicas que, posteriormente, a Nintendo simplesmente bateu na porta da Rare com milhões de dólares, querendo remasterizar a trilha no melhor estúdio possível para lançar na edição de console do jogo em 1995, como parte importante do marketing, o que, para os dois estreantes na indústria, foi incrível.

Assim nasceu o álbum Killer Kuts, que foi feito no Air Studios, utilizando equipamentos que trabalharam em álbuns famosos, como o “Sgt. Pepper”s Lonely Hearts Club Band” dos Beatles e trilhas sonoras de grandes filmes.

Capa do álbum Killer Cuts, a trilha sonora de Killer Instinct
Capa do álbum Killer Cuts, a trilha sonora de Killer Instinct

Como Killer Instinct foi feito

Por mais que a Rare não entendesse muito de jogos de luta na época, ela era muito criativa e entendia de qualidade, e foi aí que a equipe que fez Killer Instinct brilhou. A ideia original era que o jogo fosse feito com animações desenhadas à mão, mas isso seria uma loucura e demoraria demais. Então, a Rare resolveu utilizar um novo sistema de captura de movimento, um aparelho chamado Flock of Birds. Embora não fosse o melhor, era o que eles podiam usar, e isso se mostrou um problema.

O aparelho era uma parafernália gigantesca, com vários eletroímãs no corpo da pessoa. Além disso, ele precisava ficar preso a cabos no teto, com um imã gigante ao lado para que o Flock of Birds captasse o magnetismo e registrasse o movimento do corpo. Uma parafernália que quebrou durante algumas sessões de captura de movimento para os personagens, fazendo-os perder diversos movimentos para vários lutadores.

Com o tempo, eles começaram os trabalhos fazendo socos e chutes genéricos para todos os personagens, e, depois, iam juntando quadro a quadro o que foi gravado para montar um golpe completo, já contando com a possibilidade de quebra do Flock of Birds. Mesmo assim, a dedicação foi tanta que o ator responsável pela captura teve que calçar salto alto e aprender a andar de forma feminina para fazer a captura de movimento de Orchid.

Com empolgação geral, Lobb foi até a Nintendo e recrutou cada funcionário que, assim como ele, gostava de jogos de luta para formar uma segunda equipe de desenvolvimento. A Rare, por não ter experiência com jogos de luta, não tinha ninguém capacitado para testar o que estavam criando. Segundo o design do jogo, em entrevista à Eurogamer, os únicos dois beta testers da Rare odiavam jogos de luta.

Lobb fez o esforço de ir e voltar da Inglaterra para buscar os arquivos do jogo e levá-los até os Estados Unidos, onde a equipe que ele montou testava cada lutador e o balanceava em relação a Jago. Após os testes, Lobb pegava os resultados e voltava à Inglaterra com as mudanças a serem implementadas. Esse processo durou vários meses. O mundo sem internet era muito mais difícil.

Criação dos personagens

Kevin Bayliss é Jago.... literalmente.
Kevin Bayliss é Jago…. literalmente.

Com isso, a cada ida e volta, os personagens iam mudando. Jago passou de um boneco de teste genérico para uma versão ninja jogável de Kev Bayliss, o designer do jogo e artista marcial que fez a captura de movimentos, com a voz e até a modelagem do cabelo idênticas às dele. Argo, que inicialmente era inspirado em um dos esqueletos do filme Jasão e os Argonautas, se transformou em Spinal, um esqueleto pirata que seria um dos chefes do jogo, assim como Fulgore.

Black Orchid começou como uma personagem loira chamada Roxy Rave, uma acrobata com um bastão. Ela passou a se chamar Wanda e a usar um vestido negro, até finalmente adotar o visual verde que todos conhecem. Newton, ou Werewolf, virou Sabrewulf, uma homenagem ao clássico jogo da Rare lançado para o ZX Spectrum em 1984. Toxin, originalmente um lagarto vindo de Atlantis, se transformou no velociraptor geneticamente modificado Riptor.

Outros personagens tiveram apenas mudanças sutis nos nomes: King Thunder virou Chief Thunder, Mr. Fist (ou Senhor Punhos) se tornou T.J. Combo, e Cinder teve várias versões de nome, como Afterburner, Magma, Meltdown, Heatshade e Pyrotech. Já Glaucius, Fulgore e Eyedol permaneceram com seus nomes originais durante todo o desenvolvimento.

Página da revista Nintendo Power em 1994
Página da revista Nintendo Power em 1994

Alguns personagens ficaram de fora e não entraram no jogo, como Midas, um mágico, e Tremor, o chefe secreto do game e deus do trovão, que lembra muito Raiden de Mortal Kombat. Por ironia do destino, mais tarde, Mortal Kombat também ganhou um lutador chamado Tremor. No entanto, essa não foi a única ligação entre Killer Instinct e Mortal Kombat. Muitos fãs pedem um crossover entre as duas franquias, e essa ideia esteve muito mais perto de acontecer do que você imagina. Para entender isso, precisamos voltar no tempo e entender por que a Nintendo encomendou aqueles três jogos além de Donkey Kong Country.

Como era trabalhar para a Nintendo

Em 23 de agosto de 1993, a Nintendo finalmente anunciou o Project Reality, seu console sucessor do Super Nintendo, que seria desenvolvido em parceria com quem? A Silicon Graphics, a mesma empresa de supercomputadores gráficos que a Rare havia ficado encantada e queria que a Nintendo comprasse ainda mais supercomputadores para eles trabalharem! Que coincidência, não?

Com o contrato fechado, a Nintendo teria um ótimo estúdio third-party criando grandes jogos exclusivos para seu novo console, já sabendo como explorar ao máximo a qualidade daquele novo hardware. Era uma oportunidade e tanto que caiu no colo da Nintendo.

Foi exatamente por isso que Killer Instinct foi o primeiro jogo anunciado para o Nintendo 64, sendo alardeado até na abertura do próprio game no arcade como o grande jogo de lançamento do novo console. Porém, o jogo nunca foi lançado para o 64. Foi aqui que tudo deu errado.

No anúncio publicado no site da Silicon Graphics em setembro de 1993, a empresa prometia um produto novo nos fliperamas já em 1994 e, em seguida, nas casas das pessoas em 1995. No entanto, na época, o mercado de fliperamas já estava enfrentando previsões pessimistas sobre seu fim, especialmente no que se referia ao gênero de jogos de luta. Isso gerou apreensão em Ken Lobb e na Rare, que temiam lançar o jogo em um mercado saturado, o que poderia prejudicar todo o trabalho.

Dessa forma, os funcionários tiveram que trabalhar incessantemente para cumprir o cronograma original de 8 meses. Os desenvolvedores chegavam à Rare por volta das 9 da manhã e só voltavam para casa por volta da meia-noite, quase todos os dias, dedicados exclusivamente ao desenvolvimento de jogos de luta. Embora hoje isso pareça absurdo, era uma rotina comum nas empresas de jogos de luta da época. Mesmo assim, ainda foi necessário mais tempo, e Killer Instinct, em sua versão original, foi finalizado após 10 meses e meio de puro crunch.

Além disso, sair nos fliperamas era algo muito importante para os executivos japoneses da Nintendo, já que, no Japão, os arcades ainda estavam em alta. Por isso, o lançamento nos fliperamas era crucial para o marketing de preparação do novo console da empresa. Mas a grande questão era: quem distribuiria o jogo para os arcades ao redor do mundo?

A Rare foi surpreendida ao descobrir que a franquia que eles tinham como objetivo rivalizar se tornaria seu maior parceiro: Mortal Kombat! Sim, a Nintendo cedeu os direitos de Killer Instinct para a Williams, controladora da Midway e dona dos direitos de Mortal Kombat, para que a empresa fizesse e vendesse os arcades utilizando a tecnologia do que seria o novo console da Nintendo. Um Mortal Kombat vs Killer Instinct nunca esteve tão perto de acontecer como nesse momento.

O jogo foi completamente desenvolvido com foco no hardware dos supercomputadores da Silicon Graphics, sendo o primeiro a rodar em um HD de computador, tecnologia que ainda é utilizada nos dias de hoje. Com mais espaço de armazenamento, os desenvolvedores conseguiram criar vídeos de alta qualidade para os cenários e simplesmente aplicaram um efeito de zoom nesses vídeos para simular um efeito 3D. Além disso, a qualidade do áudio foi equivalente à de um CD, o que possibilitou a criação da icônica trilha sonora do jogo.

Placa de fliperama de Killer Instinct
Placa de fliperama de Killer Instinct

Killer Instinct no Ultra 64

Somando o áudio, o HD e o processamento gráfico, a Rare e a Midway criaram juntas um hardware poderoso capaz de rodar um jogo igualmente impressionante. Como Killer Instinct era um game de uma geração à frente, com gráficos ultra-realistas, o hardware foi batizado de Killer Instinct Ultra 64 Arcade, destacando seus impressionantes 64 bits de processamento gráfico – quatro vezes mais que os 16 bits dos consoles concorrentes.

E, como a máquina e seus recursos foram alardeados nas publicidades como uma prévia do novo hardware da Nintendo, então conhecido como Project Reality, a Big N decidiu renomeá-lo para Nintendo Ultra 64, com gráficos ultra-realistas em 64 bits. Com isso, Killer Instinct se tornou instantaneamente o topo do mercado e um referencial de qualidade, não só por seu poder gráfico, mas também por uma nova política da Nintendo, que passou a ser mais tolerante com a violência gráfica e menos restritiva quanto aos jogos lançados para sua plataforma.

Uma das provas de que Killer Instinct se tornou símbolo dessa nova postura é o próprio nome do jogo e como ele nasceu. Brute Force seria o título original, mas a Rare demorou tanto para registrá-lo que, quando finalmente foi tentar, descobriu que alguém já o havia registrado em algum lugar do mundo. Então, precisaram encontrar outro nome.

Logo para o título Thriller Instinct
Logo para o título Thriller Instinct

Ainda é possível encontrar, nos arquivos do jogo original, uma logo com o nome “Thriller Instinct”, mas foi um alto executivo da própria Nintendo quem criou o nome Killer Instinct e, com a aprovação do presidente da empresa, para a felicidade e surpresa de Ken Lobb, da Rare, e de toda a indústria.

Na verdade, a Big N em nenhum momento tentou intervir no jogo para modificar a violência ou qualquer outro aspecto do conteúdo, permitindo que a Rare e a publisher Midway ficassem completamente livres para fazer o que achassem melhor para o jogo.

De fato, Killer Instinct marcou a Nintendo de maneira significativa e foi um marco importante na história da empresa, principalmente por ser apontado como a base do Nintendo 64. Porém, havia um problema: Killer Instinct não era a base do Nintendo 64. Todo esse discurso sobre a associação era apenas balela da Nintendo.

Capa da revsita The Ultimate Gaming Magazine em 1994
Capa da revsita The Ultimate Gaming Magazine em 1994

A verdade é que Killer Instinct era avançado demais para rodar no novo console da Big N, que era muito mais fraco do que o verdadeiro Ultra 64. Por conta disso, o console teve diversos problemas e atrasos para ser lançado. O jogo estava tão bem desenvolvido para os arcades que acabou sendo usado como um golpe de marketing pela Nintendo, tentando impressionar a concorrência, como Sony e Sega, com uma promessa que, no fim das contas, não seria cumprida.

Com os atrasos para que o novo console funcionasse da maneira desejada, a Nintendo desistiu de esperar pelo Nintendo Ultra 64, e retirou o “Ultra” do nome, desassociando o console do jogo. A empresa então pediu à Rare uma adaptação de Killer Instinct para o console da geração anterior, o Super Nintendo. Muitos dentro da Rare consideraram essa tarefa impossível, mas conseguiram realizá-la, removendo cerca de 80% das animações e priorizando manter a dinâmica de gameplay do original.

Sabendo que tinha um grande port em mãos e tentando minimizar os danos da promessa não cumprida, a Nintendo fez um grande investimento em marketing. O lançamento do jogo foi marcado por uma fita de Super Nintendo preta, com os primeiros lotes vindo junto com um CD contendo as músicas do arcade, o álbum Killer Cuts. Além disso, a Nintendo montou um enorme stand na E3 de 1995, com mulheres dançando ao som das músicas do jogo, buscando compensar o hype gerado pela confusão em torno do Ultra 64.

Recepção de Killer Instinct

Apesar das polêmicas envolvendo as promessas da Nintendo, Killer Instinct foi um sucesso gigantesco nos consoles, vendendo 1,5 milhões de cópias logo no lançamento e 3,2 milhões no total. Para comparação, Super Street Fighter 2 vendeu 2 milhões de cópias para Super Nintendo e foi considerado um grande sucesso. Killer Instinct é oficialmente um dos jogos mais vendidos na história do Super Nintendo.

A versão original também teve um ótimo desempenho nos arcades, atingindo 500 milhões de jogadas em poucos meses. Esse número não surpreendeu os criadores, pois antes do lançamento, a Rare fez um teste de público colocando uma máquina em um centro de fliperamas na Flórida para avaliar a aceitação. O som alto atraiu tantas pessoas interessadas que o local ficava constantemente lotado todos os dias.

O arcade de Killer Instinct era imponente
O arcade de Killer Instinct era imponente

Com isso, os balanceamentos de personagens ficaram mais fáceis de realizar, e o jogo foi refinado quatro vezes antes de ser finalizado. Após o lançamento mundial em 28 de outubro de 1994, o jogo passou por uma quinta atualização, quando foi descoberto um combo infinito de Cinder. Em vez de ignorar o problema no gameplay, como muitas outras empresas faziam na época, a Rare criou uma nova atualização para corrigir a falha. A equipe da Rare, junto com a Midway, foi enviada para todas as dezenas de milhares de fliperamas de Killer Instinct ao redor do mundo para atualizar cada máquina e remover o combo infinito.

O legado de Killer Instinct

Com todo esse carinho e dedicação, Killer Instinct rapidamente se tornou um sucesso absoluto em todo o mundo. A série, que inicialmente buscava se inspirar na Midway e na SNK, acabou se tornando uma referência para essas empresas.

Diversas desenvolvedoras começaram a focar em combos maiores no gameplay de seus jogos, como visto a partir de The King of Fighters 96 e Ultimate Mortal Kombat 3. Dessa forma, Killer Instinct influenciou grandes competidores, criadores de conteúdo e amantes de jogos de luta, como o americano Maximilian Dood e o articulista que vos escreve, do canal Segredos dos Games no YouTube, pois o game fez muito sucesso no Brasil nos anos 90.

O game também teve um port milagroso para o Game Boy. Com a ótima repercussão, Killer Instinct 2 foi lançado em 1996, finalmente colocando a franquia no Nintendo 64 com Killer Instinct Gold, que usava esse nome para despistar que o KI2 não era o mesmo jogo que haviam prometido para a plataforma em 1995. Após anos de parceria com a Nintendo, a Rare e os direitos dos jogos criados por ela foram comprados pela Microsoft em 2002, para desenvolver jogos para o seu próprio console, o Xbox.

Quando a Microsoft finalmente resolveu ressuscitar Killer Instinct em 2012, sabe quem eles chamaram para ajudar a comandar o projeto? James Goddard, aquele mesmo que havia trabalhado no jogo quando ele ainda estava na Namco, mas não conseguiu levá-lo adiante. Um ciclo que se fechou. O interessante é que, quando ele foi pedir autorização para a Rare para criar um novo jogo da franquia criada por eles, o estúdio enviou uma resposta oficial de apenas três linhas para ele:

“Sim.
Faça justiça aos fãs do jogo.
Faça Ken Lobb feliz!”

Com mais de 10 milhões de jogadores, Killer Instinct de 2013 é uma continuação da franquia que faz questão de, a todo momento, prestar homenagem à importância e à revolução que nos foram presenteadas com a criação do incrível Killer Instinct original. Inclusive, você pode jogá-lo agora mesmo de graça, revivendo a nostalgia e conferindo como está a icônica franquia atualmente.


Previous post Tapas & Beijos vira hit no streaming com sucesso de Fernanda Torres! Veja onde assistir
Next post Home office: 121 vagas para trabalho remoto [17/01]