Atualmente considerados animais fofinhos e de estimação, os coelhos levaram anos para se tornarem o que são hoje, especialmente após as pequenas controvérsias com as quais se envolveram durante a Idade Média. Isso porque os animais eram retratados como figuras assassinas e bárbaras e protagonizavam sátiras curiosas, onde a violência gráfica e simbólica surgia como grande plano de fundo de suas tramas “fabulásticas”.

Normalmente encontradas em livros feitos para o clero, as ilustrações de coelhos, conhecidas como “marginalia”, estavam repletas de simbolismos. Os criadores das artes utilizavam o pequeno roedor para desprezar figuras de autoridade, inserindo espadas, machados, lanças, arcos e todo tipo de equipamento em suas patas e passando a impressão de uma “opressão reversa”, onde o ser teoricamente mais poderoso estava sempre em posição de vulnerabilidade.

“Muitas vezes, nas margens dos manuscritos medievais, encontramos imagens estranhas com todos os tipos de monstros, meio-homens-feras, macacos e muito mais”, comenta Marjolein de Vos, da Sexy Codicology. “Mesmo em livros religiosos, as margens às vezes têm desenhos que simplesmente zombam de monges, freiras e bispos.”

(Fonte: The British Library / Reprodução)(Fonte: The British Library / Reprodução)

Vistos como sinônimos de pureza e desamparo, os coelhos passaram a ter seus retratos vinculados a brincadeiras que distorciam a realidade. Criadas por artistas conhecidos como drolleries, elas dramatizavam o lado cômico e relativo das verdades absolutas, passando a representar tanto o poder tanto da liberdade total quanto da farsa. Essa ideia atraía os artistas a partir do momento que oferecia a chance de se rebelar com segurança, pelo menos em pequena escala, contra as graves desigualdades dos sistemas feudais de sua época. 

(Fonte: The British Library / Reprodução)(Fonte: The British Library / Reprodução)

O gênero jocoso intitulado de “vingança do coelho” logo se popularizou e tendia a mostrar “a covardia ou a estupidez da pessoa ilustrada”, onde caçadores se encolhiam na presença dos pequenos animais. Essas “monstruosidades ridículas” — como foram conhecidas pelo monge cisterciense francês Bernardo de Clairvaux — montavam em leões e humanos para mutilar todo tipo de oponente, mostrando como o mundo virou de “cabeça para baixo”.

A subversão cultural

Os coelhos cruéis das margens de manuscritos medievais tornaram-se exemplos concretos da subversão cultural, expressão que seria comentada apenas séculos depois, com a criação do termo “carnavalesco” pelo filósofo e crítico literário russo Mikhail Bakhtin. Segundo ele, a categoria permitia a retratação de humor e caos como forma de satirizar a psique humana, tanto em relação ao indivíduo quanto ao coletivo.

Uma das maiores piadas da época, os “coelhos assassinos” tornaram-se uma espécie de fuga do convencional e exibiram todo o potencial imaginativo dos artistas, destacando como seria possível transgredir em meio a uma época rigorosa onde prevalecia o controle social, desde na forma como as pessoas se comportavam até mesmo em relação ao que pensavam. Dessa forma, o “espelho cultural” transformou o mundo das brincadeiras e revolucionou o modelo de expressão tradicional.

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