Quem assistiu a Moana sabe bem que esse fascinante filme da Disney nos mostra as isoladas ilhas contidas no grande Oceano Pacífico. Além disso, provavelmente notou que a obra fala da colonização desse espaço pelos povos polinésicos, que se tornaram famosos pelo conhecimento sofisticado de astronomia que possuíam ainda em tempos remotos.
Por isso, ver o filme de 2016 e a sequência de 2024 são duas chances de testemunhar a esperta Moana zarpar em uma pequena canoa em um mar sem fim, com uma segurança e noção espacial que parece até difícil de acreditar.
Por mais que possa parecer invenção, é tudo verdade: esses povos já evidenciavam uma capacidade impressionante de navegar pelos mares a partir do mapeamento que faziam das estrelas. E o modo pelos quais faziam isso é simplesmente incrível.
A técnica de navegação pelas estrelas
Para início de conversa, é bom lembrar que a Disney teve muito cuidado na hora de elaborar as cenas dos dois filmes. Para isso, o estúdio criou o Oceanic Story Trust, um conselho formado por especialistas (o que incluía moradores e anciãos polinésios) que orientaram a produção quanto à precisão cultural de tudo que era exibido.
Os povos antigos da Polinésia desenvolveram uma técnica de navegação que partia da observação de um mapa das estrelas, de modo a determinar a sua posição da nossa perspectiva aqui na Terra. Em entrevista ao portal The Conversation, Nainoa Thompson, que é presidente da Polynesian Voyaging Society, explicou: “Se você conseguir identificar as estrelas conforme elas nascem e se põem, e se tiver memorizado onde elas nascem e se põem, você poderá encontrar a sua direção”.
Essa técnica funcionava mais ou menos dessa forma: os navegadores memorizavam mapas estelares e usavam o ângulo das estrelas acima do horizonte para determinar a sua latitude. Como sabem, por exemplo, que as estrelas de cima e de baixo do Cruzeiro do Sul são separadas por seis graus, eles notam que quando a distância entre essas estrelas é igual à altitude da estrela de baixo acima do horizonte, sua latitude norte é 21°, a de Honolulu. Já quando Sirius e Pólux se põem ao mesmo tempo, sua latitude é 18° Sul: a do Taiti.
Para medir isso, os viajantes usavam as mãos e verificavam os ângulos. A largura do dedo mindinho no comprimento do braço é aproximadamente um grau, ou o dobro do diâmetro angular do Sol, ou da Lua.
O primeiro filme de Moana nos mostra a personagem usando essa técnica para medir a altitude de um grupo de estrelas. Ela observa atentamente para então medir as estrelas no Cinturão de Órion. A posição da sua mão indica que a estrela que está acima de seu dedo indicador tem uma altitude de 21º. Uma vez que o filme se passa há cerca de 2.000 anos perto de Samoa, a posição de Órion sugere que eles estão viajando para o leste.
A seguir, conheça mais algumas estrelas e constelações que eram muito usadas para guiar os antigos navegadores.
A Estrela do Norte
A Estrela do Norte, também conhecida como Estrela Polar ou Polaris, é a estrela mais brilhante da constelação da Ursa Menor. Quando se está de frente para ela, tem-se a certeza de que está de frente para o norte. Esta estrela é muito especial porque está quase acima do Polo Norte da Terra, o que faz com que todos os navegadores consigam vê-la o ano todo no mesmo ponto.
Por isso, Polaris é considerada uma estrela-chave para navegação. Se você medir a altura dela acima do seu horizonte, vai saber o quão longe está do norte do Equador da Terra. Quem mora no norte do Canadá, por exemplo, verá Polaris ainda mais alta no céu, e quem mora perto da linha do Equador a verá mais próxima.
É importante lembrar que todas as estrelas que existem podem ser usadas para navegar. Mas, para isso, é preciso saber onde encontrá-las em todas as noites do ano e a todas as horas da noite. Por essa razão, a Estrela do Norte está entre as mais fáceis de utilizar para a navegação.
O Anzol de Maui
No filme também vemos Moana navegar enquanto segue o chamado Anzol de Maui. Nas tradições polinésias, o anzol seria usado para puxar ilhas do mar, e é representado pela Constelação de Escorpião, que nasce ao anoitecer em meados de maio. Por isso, a constelação dá apoio para as viagens em direção ao sudeste.
Quem está posicionado em uma ilha da Polinésia consegue ver toda a constelação nascendo no sudeste, atingindo seu ponto mais alto no céu quando estiver no sul e se pondo no sudoeste.
Os navegadores da Polinésia memorizavam onde as estrelas da Constelação de Escorpião apareciam no céu a partir das diferentes ilhas entre as quais navegavam. Deste modo, eles conseguiam determinar em qual direção navegar e por quanto tempo deviam seguir viajando pelo oceano.
As técnicas funcionam ainda hoje?
A maioria de nós se guia de forma “acomodada”: simplesmente pega o celular e usa o GPS como bússola. Mas Moana esclarece, principalmente para as novas gerações, que há outras maneiras eficientes de navegar pelo mundo, e são conhecidas há milhares de anos.
Se você estiver interessado em tentar fazer isso, o modo mais fácil é se guiar quando as estrelas estão mais baixas no céu, embora seja necessário mudar para um novo alvo quando um ponto celestial sobe muito alto. Os marinheiros, por exemplo, precisam memorizar uma sequência específica de estrelas-guia para poder fazer isso.
“Você não precisa conhecer 5 bilhões de estrelas, mas precisa conhecer as importantes que vão ajudar a direcioná-lo para direções específicas em torno desta bússola que está em sua mente”, declarou ao IFL Science Lehua Kamalu, uma conhecida navegadora da Polinésia.
Para Kamalu, o exemplo mais acessível é usar a Estrela do Norte como guia. Ela afirma que um navegador normalmente tem cerca de 200 estrelas em sua bússola mental a qualquer momento e precisa aprender os caminhos celestes necessários para uma determinada viagem pelo menos um ano inteiro antes de ir para o mar.
O que atrapalha a navegação pelas estrelas?
Mesmo havendo todo esse treinamento e preparação antes de navegar, a especialista estima que as estrelas só são utilizáveis “cerca de 10% do tempo”. Isso porque há outros fatores que interferem nessa prática, como o mau tempo e a presença de luas cheias que as bloqueiam.
“Na maioria das vezes, você não vai conseguir essa cúpula completa impressionante sem nenhuma nuvem e nenhum luar atrapalhando sua visão. Provavelmente sempre será bem difícil de ver, e você vai estar escolhendo estrelas no meio das nuvens com condições visuais muito difíceis”, acrescentou.
Ou seja, o clima atrapalha bastante para quem quiser observar as estrelas. Mas há elementos da natureza que também podem ser úteis. Nuvens no horizonte podem indicar a presença de um litoral, já que o ar tende a esquentar mais rápido sobre a terra do que sobre o oceano.
Além disso, os pássaros também podem passar mensagens sobre os horizontes. As aves marinhas, que sempre dormem na praia, agem como placas de sinalização, já que elas sempre voam para o mar ao amanhecer e retornam à terra ao anoitecer.
E não dá para esquecer do óbvio: só se pode usar as estrelas para navegar durante a noite. De dia, claro, elas simplesmente não estão lá no céu. Mesmo assim, o mais legal é ver que filmes como Moana e Moana 2 trazem para as novas gerações – e especialmente para as crianças – conhecimentos que podem ter ficado esquecidos no passado.
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