Além de ser perturbado, Josef Stalin ficou conhecido, grande parte, por sua mente muito paranoica, característica que, consequentemente, fez dele um amante das forças policiais secretas e do isolacionismo. Não é para menos que, em 1934, ele permitiu que seu braço direito, Lavrenti Beria, perfurasse o subterrâneo inteiro de Tbilisi, cidade capital da Geórgia.
Isso fez parte da obsessão de Stalin por bunkers que desenvolveu diante à iminência da guerra, visando se proteger e também ao seu povo contra a ameaça de uma invasão. Com um legado desse, era de se esperar que admiradores ascendessem sobre seus princípios, inclusive herdando as obsessões que prosperaram no seu regime comunista. E foi assim que Enver Hoxha quase destruiu a Albânia.
Um homem incontrolável
Enver Hoxha. (Fonte: Michael Harrison/Reprodução)
A jornada de Hoxha no governo da Albânia começou logo após a rápida campanha militar italiana que invadiu o país e provocou um conflito, de 7 a 12 de abril de 1939, como parte das políticas imperialistas de Benito Mussolini se espalhando pela Europa após Adolf Hitler ter declarado Segunda Guerra Mundial invadindo a Polônia.
Em 1941, Hoxha se juntou ao Partido do Trabalho da Albânia, e dois anos depois, a Alemanha nazista invadiu o país. As forças armadas sem equipamentos ou estratégia militar adequadas da Albânia já haviam sido esmagadas pelos italianos, porém a resistência permaneceu, assim como aconteceu quando os nazistas chegaram.
Valendo-se do terreno montanhoso do país, perfeito para guerrilha, o povo ganhou a reputação de resistir ferozmente contra os invasores, apesar das mínimas chances. Eles foram liderados por Hoxha, que instaurou o lema de que os albaneses deveriam estar sempre prontos, e foi assim que foram ganhando campo e crescendo.
Invasão italiana na Albânia. (Fonte World War II Wiki/Reprodução)
A derrota dos inimigos nazistas aconteceu em 8 novembro 1944, durante a libertação da capital Tirana, quando o exército desorganizado de comunistas e nacionalistas já acumulava 70 mil homens. A essa altura, Hoxha já havia sido eleito, em março de 1943, aos 34 anos, primeiro-secretário da Albânia, ascendendo ao poder como chefe simbólico do país.
O alinhamento de ideais e visões políticas transformou a cabeça de Hoxha ao consolidar seu poder, exterminando não só facções rivais como até mesmo colegas líderes de resistência que se opuseram à maneira como estava conduzindo. A Albânia se tornava oficialmente um Estado comunista alinhado com a União Soviética, enfrentando uma crise diplomática após a outra, rompendo inúmeras relações, a começar com a vizinha Iugoslávia.
A tarefa de Gjici
(Fonte: The Guardian/Reprodução)
Ainda que Hoxha tenha reconstruído o país em vários aspectos, após a devastação causada pela guerra, instalando a primeira ferrovia, elevando a taxa de alfabetização de adultos de 5% para 90%, eliminando epidemias, eletrificando o país e o levando à independência agrícola —, o líder também fez da Albânia uma ostra. Foi proibido a religião, viagens para o exterior e propriedade privada, fechada ou convertida para usos seculares, como templos religiosos. Os dissidentes políticos foram executados ou confinados em campos de concentração de trabalho forçado.
A Albânia rapidamente se tornou o país mais isolado do mundo, sem nenhuma conexão com países de fora, nos confins do sudeste europeu e, assim, Hoxha chegou à conclusão de que seu socialismo extremo o havia tornado vulnerável a ataques. Com isso em mente, ele incumbiu Feti Gjici de ser planejador-chefe de um projeto: criar uma rede de bunkers na cidade de Kukes, no norte do país.
Feti Gjici. (Fonte: ABC News/Reprodução)
A princípio, no começo de 1970, o projeto era apenas criar a maior quantidade o possível de abrigos antibombas. Porém, dez anos mais tarde, a proposta já era instalar uma verdadeira cidade réplica no subterrâneo de Kukes, com túneis cada vez mais longos, salas, gráficas que alimentavam a propaganda soviética, hospitais e padarias. Água e luz seriam implementadas por reservatórios, bem como um centro de comando do exército, um posto policial e um tribunal.
A ideia era que 10 mil pessoas pudessem habitar o lugar de maneira autossuficiente, estimando um período de no mínimo 6 meses. Se o projeto funcionasse, então a ampliação aconteceria de maneira cada vez mais rápida, até que toda a cidade fosse replicada no subsolo. O empenho foi tão grande do governo que um assentamento em Kukes foi inundado com um lago artificial para servir como usina hidrelétrica para a cidade subterrânea.
E tudo isso precisava acontecer de maneira ultrassecreta, sem que a população desconfiasse de nada, afinal, o temor de infiltrados era algo recorrente, o que poderia arruinar drasticamente os planos. Foi por isso que Gjici só pôde trabalhar com uma equipe de 30 homens especializados em construção civil, cujas vidas foram minuciosamente examinadas pelos serviços de segurança política.
“Quanto menos pessoas soubessem, melhor”, declarou Gjici, em matéria ao The Guardian, em fevereiro de 2020.
A devastação
(Fonte: National Geographic/Reprodução)
Ao longo da década de 1980, nos momentos finais da construção, as autoridades realizaram exercícios regulares de confinamento quando a sirene soava pela cidade, fazendo a população se mover de suas casas para se esconder no subsolo em apenas 7 minutos, através das 30 entradas que davam acesso à rede de bunkers que se estendiam por vários quilômetros.
Uma vez lá em baixo, porém, o povo precisava se manter inerte, impedido de circular pelos túneis, porque tudo ainda era confidencial, e eles só poderiam saber do que se tratava quando aquilo não mais fosse um exercício.
Hoxha morreu no raiar da manhã de 11 de abril de 1985, aos 76 anos, após sofrer por 48 horas de episódios repetidos de arritmia. Seu projeto foi concluído em 1989, quando a eletricidade e água foram instaladas, tendo consumido cerca de 80% dos recursos militares. Os bunkers se tornaram mais importantes do que cultivar alimentos, com a defesa acima de todos os deveres do país — e isso o levou à ruína.
(Fonte: Brick History/Reprodução)
Com Ramiz Alia no poder como substituto de Hoxha, a Albânia permaneceu o país mais pobre da Europa, apesar de ter permitido uma reforma econômica gradual, porém mantendo o culto ao antigo líder e seu regime de censura.
Antes que algumas das áreas dos bunkers pudessem ser equipadas para começar a exercer a função para o qual foram planejadas, o regime da Albânia caiu, em março de 1992, em meio a uma catástrofe econômica e caos social.
Atualmente, os bunkers se tornaram museus para turistas, com suas estruturas povoando a cidade de Kukes, erguendo-se do solo em monólitos históricos de um passado obscuro.
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