Conduzido inicialmente para investigar vias de sinalização do câncer em vermes Caenorhabditis elegans, um estudo acabou, meio que por acaso, descobrindo um mecanismo inédito de transmissão de características, não por DNA, mas por amiloides, proteínas geralmente associadas a doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer.
O artigo sobre a descoberta foi publicado, em setembro de 2024, na revista Nature Cell Biology. Para o primeiro autor, Matthew Eroglu, então doutorando na Universidade de Toronto, no Canadá, “Começamos com um foco diferente… apenas para descobrir que alguns vermes estavam se tornando menos férteis com o tempo”. A observação, que vai além dos modelos genéticos tradicionais, levou a equipe para o campo da epigenética.
Para os autores, a descoberta pode explicar parte da complexa “hereditariedade ausente”, um campo desafiador de pesquisa que demonstra como a genética é mais complexa do que simplesmente a transmissão direta de características de pais para filhos. Essas proteínas amiloides, diz o estudo, “são herdadas de forma estável em animais tipo selvagem e influenciam os traços”.
Uma revolução no campo da genética?

O que virou a pesquisa original de cabeça para baixo foi um efeito inesperado nos C. elegans: a cada geração, esses organismos hermafroditas foram se tornando mais femininos, culminando em esterilidade total. Surpresos com algo que nunca tinham visto antes, afirma Eroglu em um comunicado, eles mudaram a pesquisa “para investigar o que estava causando esse efeito herdado”.
A investigação nos anos seguintes complicou ainda mais as coisas. O fenômeno verificado nos vermes tinha a ver com algo que estava sendo herdados pelas novas gerações, mas não tinha nada a ver com ácidos nucléicos como DNA ou RNA. As responsáveis pela transmissão eram as proteínas amiloides (parecidas com as placas de Alzheimer) que estavam sendo passadas entre gerações de vermes, multiplicando-se e “vampirizando” células vizinhas.
Apesar de ainda não testada em humanos, a descoberta é uma ruptura com o que se sabia até hoje sobre os mecanismos de hereditariedade. Para os autores, o novo insight pode provocar uma verdadeira revolução no campo da genética, ajudando a explicar características como altura, inteligência e predisposições a doenças que anteriormente não eram completamente compreendidos.
A descoberta de que os amiloides podem ser herdados

Características transmitidas entre gerações sem mudanças diretas no DNA, conhecidas como herança epigenética, são tradicionalmente atribuídas a pequenos RNAs ou à cromatina (complexo molecular que compacta o DNA). No entanto, quando Eroglu e sua equipe desativaram os genes que pretendiam estudar, observaram uma alteração fenotípica: a redução no número de descendentes de C. elegans.
Nas investigações que realizaram, os pesquisadores descobriram “herassomas”, formas autofluorescentes compostas por agregados de proteínas amiloides. Localizadas dentro das linhagens germinativas (células que produzem oócitos e espermatozoides), essas estruturas, resultantes de mutações nos genes mstr-1 e mstr-2, alteram características sexuais sem modificar o DNA, transmitindo essas mudanças para gerações futuras.
Em um comunicado de imprensa, o pesquisador sênior, Brent Derry afirmou: “Matthew realmente se abriu sobre uma nova forma de herança epigenética. Ele descobriu que os amiloides podem ser herdados, marcando uma descoberta significativa na herança epigenética baseada em proteínas. Isso muda completamente a maneira como pensamos sobre esse campo”.
Implicações da transmissão epigenética para a saúde humana

Embora a pesquisa se concentre na forma como os amiloides perturbam a proporção de duas proteínas fundamentais para o desenvolvimento das células sexuais em vermes, seus achados sugerem implicações promissoras para condições como Alzheimer, onde o acúmulo de amiloides é determinante. Isso também pode impactar futuras investigações sobre doenças hereditárias e herança de traços desse tipo em humanos.
Logicamente, muitas características e distúrbios transmitidos de pais para filhos podem ser explicados geneticamente. No entanto, pondera Eroglu, “quando as pessoas fazem estudos de associação em todo o genoma tentando vincular essas características a mutações ou variantes em genes, frequentemente não conseguem explicar toda a hereditariedade que observamos”.
A descoberta abre novas perspectivas para abordagens em futuras pesquisas, ampliando o foco centrado no DNA como transmissor de características. “Quem sabe o que você poderia fazer? Poderíamos descobrir algo que, de fato, não muda o sexo, mas muda alguns outros traços? Ou prever doenças que não poderíamos basear apenas no DNA?”, questiona Eroglu.
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