Na década de 2010, a Microsoft tinha uma ideia ousada para o presente e o futuro dos games. Segundo os planos, você navegaria pela interface de um console usando gestões com as mãos, sem ter que segurar um controle. Além disso, o próprio usava a sua movimentação para controlar personagens e objetos, com o jogador de pé e tendo ações replicadas em tempo real na tela.

Em teoria, esse é o cenário imaginado pela dona do Windows para o Kinect, o sensor de mapeamento em 3D e rastreio de movimentos para plataformas Xbox. Durante alguns anos, o acessório foi de fato um dos diferenciais da companhia, sendo vendido até em um pacote com os consoles e permitindo o uso de voz e movimentos do corpo para navegar ou jogar.

Porém, com o passar dos anos, esse projeto foi se tornando cada vez mais secundário na Microsoft até que o seu nome não fosse mais mencionado pela empresa. Mas o que exatamente aconteceu com o Kinect e quando exatamente ele deixou de existir como um todo? Para entender isso, é importante conhecer primeiro o cenário do mercado e como a Microsoft idealizou esse projeto em um momento bastante propício para novas ideias.

Como o Kinect nasceu e mudou a indústria

Antes do anúncio oficial, o Kinect se chamava Project Natal — uma homenagem à cidade brasileira, capital do Rio Grande do Norte. Isso porque o idealizador do produto foi um brasileiro: Alex Kipman, que estava na Microsoft desde 2001.

A ideia dele era permitir que o jogador se divertisse com games sem a tecnologia convencional de um controle, borrando a linha entre o analógico e o digital. Para isso, porém, seria necessário desenvolver ou adaptar toda uma tecnologia que permitisse uma experiência satisfatória.

O Kinect do Xbox 360 em um fundo branco.
O Kinect original. (Imagem: Divulgação/Xbox)

O mercado dos games estava em um período de experimentação com movimento e rastreamento do jogador: o Nintendo Wii era um sucesso absoluto e a Sony em breve lançaria o controle PlayStation Move. Em junho de 2009, chegou a vez da Microsoft, que apresentou pela primeira vez o Kinect para Xbox 360.

O acessório saiu em novembro de 2010 sob uma forte campanha de marketing, com a compra separada ou em um pacote com o console e 17 títulos disponíveis com suporte ao movimento já no lançamento. Em dois meses, foram 8 milhões de unidades vendidas, número bem expressivo para um equipamento adicional, aumentada quando o dispositivo ganhou suporte também para PCs com Windows.

Aos poucos, o Kinect virou referência entre projetos mais futuristas para o setor. A Microsoft previa aplicações do equipamento em outras áreas, como indústria e até saúde, além da evolução dos games que usavam rastreio de movimento. Por vários anos, essa empolgação durou, era justificada e não parecia um otimismo exagerado.

Já a geração seguinte do console, o Xbox One, foi anunciada em 2013 com uma segunda geração do Kinect. Apesar de ser preciso e poderoso, o sensor acabou recebido de forma mista pelo público — muito por causa de uma estratégia de marketing da própria empresa que se mostrou desastrosa.

Alex Kipman de pé vestindo uma camisa jeans, assinando a caixa de um console Xbox.
Alex Kipman, o brasileiro por trás do Kinect. (Imagem: Reprodução/Facebook)

A Microsoft anunciou inicialmente o novo console indicando que ele exigia o sensor de movimento do Kinect para funcionar. Na prática, isso tornou o aparelho mais caro do que o rival da Sony e ainda fazia com que a câmera dele rastreasse movimentos de quem estivesse no cômodo a todo momento, algo nada indicado em termos de privacidade. Além disso, nenhum dos jogos para Kinect do Xbox 360 funcionaria no Xbox One.

Reclamações do público fizeram ela voltar atrás meses depois: o Kinect não era mais obrigatório e o Xbox One passou a ser vendido em 2014 em uma variante sem o acessório.

Como o Kinect funcionava?

O conjunto que chamamos de Kinect era formado por uma combinação de três tecnologias: uma câmera com projeção em infravermelho, sensores de movimento e um microfone.

A câmera do acessório é posicionada na frente do televisor, com a lente voltada na direção do jogador. Além de agir como um equipamento de gravação, ela também projeta pontos de luz no cômodo, tendo referência de profundidade e presença de objetos a partir do tempo de resposta para fazer o mapeamento de um local e permitir a captura de movimentos.

Os sensores que rodam algoritmos especializados convertem a distância dos pontos de luz para pixels e depois em comandos digitais no jogo ou aplicativo. Por fim, o microfone serve para comandos de voz e reconhecer a voz do jogador, servindo até mesmo para ligar o console.

Alguns dos principais títulos compatíveis ou feitos totalmente para uso do Kinect incluem:

  • Kinect Adventures
  • Kinect Star Wars
  • Kinect Sports
  • Fruit Ninja Kinect
  • Dead Space 3
  • The Elder Scrolls V: Skyrim
  • As franquias Just Dance e Dance Central
  • Child of Eden
  • The Gunstringer

A tecnologia do primeiro Kinect foi desenvolvida pela empresa israelense PrimeSense. Ela foi adquirida em 2013 pela Apple e foi usada inclusive na criação do Face ID, o sistema de desbloqueio por reconhecimento facial do iPhone.

O que causou o fim do Kinect?

A empolgação com o Kinect foi passando ao longo dos anos, tanto por parte da Microsoft quanto de boa parte do público. Ainda assim, o Kinect vendeu cerca de 29 milhões de unidades, entre pacotes com o console e o acessório separadamente.

São vários os motivos apontados para o fim do projeto: a tecnologia ainda precisava de melhorias no funcionamento, a Microsoft errou na comercialização forçada do Xbox One, os jogos não eram tão bem recebidos em termos de crítica e a compra exigia alguns pré-requisitos do jogador — comprar o acessório, ter os jogos compatíveis e ainda uma sala espaçosa.

Uma caixa verde do console Xbox One em um bundle com o Kinect.
O Xbox One vendido em conjunto com o Kinect. (Imagem: Divulgação/Microsoft)

A derrocada começou a ser observada por volta de 2014. Esse foi o ano de Kinect Sports Rivals, o último grande lançamento exclusivo da tecnologia. Feito pela Rare, o lendário estúdio de jogos como Donkey Kong Country e Perfect Dark, o jogo vendeu mal e até causou demissões no estúdio.

Na E3 do ano seguinte, a Microsoft nem sequer citou o Kinect, o que aumentou os rumores do seu abandono. Mas isso só foi confirmado em 2017, quando o Kinect do Xbox One foi descontinuado e teve a fabricação encerrada.

No ano seguinte, a Microsoft encerrou também as vendas do adaptador USB para o Kinect que permitia a ele rodar em outros dispositivos, incluindo PCs. Neste ponto, o projeto original para jogos estava encerrado. Já Alex Kipman, que depois chefiou a divisão do HoloLens, saiu da companhia sob alegações de comportamento inapropriado no ambiente de trabalho.

Mas a tecnologia teve uma segunda chance dois anos depois como Azure Kinect Developer Kit. Esse foi um kit de desenvolvedor de realidade mista com  visual computacional e sensores avançados de IA, voltado para empresas dispostas a criar soluções em saúde (monitoramento de exercícios), indústria (para otimizar estações de trabalho), varejo (para compras e logística) ou até robótica (automatizando tarefas repetitivas com máquinas programadas).

Esse projeto durou mais um período, mas também foi descontinuado em 2023 e encerrou em definitivo a existência do Kinect na companhia. A Microsoft direcionou os clientes para a Orbbec, uma empresa que lançou um servçiço similar, e atualmente não oferece qualquer tipo de controle por movimento nos atuais consoles.

Você chegou a ter um Kinect ou jogou títulos dele em algum lugar? Conte para a gente como foi a sua experiência com o acessório nas redes sociais do TecMundo!


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