Embora, até recentemente, a savana da África Oriental tenha sido apontada como o local de nascimento dos humanos modernos há 300 mil anos, um estudo publicado em maio de 2023 propôs que, na verdade, o Homo sapiens evoluiu por todo o continente africano. Isso significa que nossos ancestrais devem ter descoberto como viver em outros ambientes, além de pastagens.

Agora, em uma pesquisa recente, publicada na Nature, uma equipe internacional aponta um local até agora improvável. Segundo os autores, os Homo sapiens viveram em florestas tropicais na atual Costa do Marfim há 150 mil anos. Isso é bem mais do que se pensava anteriormente, e valida a tese de que a evolução humana se desenvolveu em várias regiões e habitats.

Em entrevista ao The New York Times, a coautora Eleanor Scerri, arqueóloga evolucionista do Instituto Max Planck de Geoantropologia em Jena, na Alemanha, explica: “O que estamos vendo é que, desde um estágio muito inicial, a diversificação ecológica está no cerne da nossa espécie”. Uma das propostas do novo estudo é reconsiderar o papel das florestas tropicais na história evolutiva humana.

Por que foi difícil provar que os primeiros humanos viviam em florestas?

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A acidez dos solos das florestas deteriora parte dos vestígios orgânicos antigos. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Ao construir a teoria tradicional de que os humanos evoluíram em savanas africanas, os pesquisadores consideravam as florestas tropicais como ambientes hostis à sobrevivência, não só pela dificuldade de caçar, mas também pela presença de predadores no local. A riqueza de fósseis nas pradarias orientais da África pode ter criado um viés na pesquisa, em que os indícios descobertos em outras regiões eram atribuídos a espécies humanas extintas.

Essa visão distorcida da realidade começou a mudar em 2018, quando a Dra. Scerri propôs que nossa espécie evoluiu a partir de populações isoladas pela África inteira, que se misturaram ocasionalmente. Mas provar que os primeiros humanos também habitaram florestas tropicais da África Ocidental é complicado, pois a acidez do solo deteriora a maior parte dos vestígios orgânicos.

Para comprovar suas hipóteses, os pesquisadores escavaram um sítio chamado Anyama, na Costa do Marfim. No sedimento duro e arenoso, eles encontraram ferramentas de pedra e até mesmo alguns pedaços de matéria vegetal. Não conseguindo determinar a idade desses fósseis, a equipe teve que deixar o local, devido à eclosão da pandemia da Covid-19, no início de 2020.

O que os cientistas descobriram no retorno à África?

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O novo estudo descobriu mais ferramentas de pedra antigas. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Retornando ao local das descobertas em novembro de 2021, a equipe descobriu que o sítio arqueológico havia sido destruído para a construção de estradas. Liderados por Eslem Bem Arous, primeiro autor do artigo atual, os pesquisadores descobriram uma pequena área não muito longe da escavação original, onde encontraram mais ferramentas. Mas o novo sítio também foi destruído.

Apesar dos seguidos contratempos, os autores conseguiram reunir muitos indícios inéditos. Para isso, o Dr. Bem Arous, especialista em geocronologia no do Instituto Max Planck de Geoantropologia, empregou metodologias recentes para calcular a antiguidade das formações sedimentares. A mais antiga delas, onde os pesquisadores acharam mais ferramentas de pedra, se formou há 150 mil anos.

Dessa vez, a equipe também conseguiu analisar os resíduos de plantas que haviam sido preservados. As análises desses restos vegetais revelaram que, há aproximadamente 150.000 anos, aquela área era uma floresta tropical úmida com vegetação densa. O ambiente era caracterizado por arbustos densos e árvores gigantes, como elemi africano (Canarium schweinfurthii) e dendezeiro africano (Elaeis guineensis).

Qual a importância das descobertas sobre Homo sapiens em florestas?

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Os primeiros homens conseguiram se adaptar às florestas. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

A antropóloga Cecilia Padilla-Iglesias, que não participou do estudo, afirmou ao The New York Times que a pesquisa fornece evidências concretas da presença humana antiga em florestas tropicais, confirmando o que outras pesquisas previram. As descobertas são importantes porque demonstram a presença de humanos antigos em ambientes florestais muito antes do que se pensava.

A coautora Khady Niang, arqueóloga da Universidade Cheikh Anta Diop, no Senegal, destacou que muitos dos artefatos antigos encontrados eram grandes ferramentas de corte feitas de quartzo. Para ela, estes instrumentos serviam para desenterrar alimentos ou abrir caminhos através da densa vegetação florestal, como prova de nossa adaptabilidade a ambientes hostis.

Para a Dra. Scerri, o kit de ferramentas emblemático sugere que o povo de Anyama já estava estabelecido na floresta tropical muito antes de 150 mil anos. “Eles não são pessoas que acabaram de chegar”, diz ela ao The New York Times. “São pessoas que tiveram tempo para se ajustar às suas condições de vida”, conclui.

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