Isso pode soar assustador, mas já faz exatamente trinta anos que o mundo recebia um dos jogos mais brilhantes de todos os tempos. Em 11 de março de 1995, no Japão, Chrono Trigger deixava sua marca como um dos títulos de fim de geração do Super Nintendo, uma época em que os gráficos tridimensionais tomavam o senso comum de supetão, como um sinônimo de progresso. 

Aliando o charme da sua arte em pixel e decisões geniais de game design, Chrono Trigger segue resistindo ao teste do envelhecimento e sendo uma referência em qualidade no mercado de jogos da atualidade.  

Tempo é, com o perdão do clichê, uma palavra-chave para descrever o fenômeno de Chrono Trigger. Não apenas por sua óbvia premissa de viagens temporais, mas também pelas circunstâncias que levaram à criação do projeto. Na ocasião, a Squaresoft, responsável por Final Fantasy, e a Enix, de Dragon Quest, ainda eram concorrentes de mercado, mas as principais mentes por trás de ambas as franquias uniram forças para formar o que, já na época, era chamado de Time dos Sonhos. 

Estamos falando de um elenco de estrelas, veja bem: Hironobu Sakaguchi, criador de Final Fantasy, e Yuji Horii, criador de Dragon Quest, duas das franquias que pavimentaram o gênero de RPG, colaborando em um jogo totalmente inédito. Além disso, adicione todo o brilhantismo do saudoso Akira Toriyama, criador de Dragon Ball, que, assim como em Dragon Quest, empregou toda a sua personalidade nas ilustrações e design de personagens em Chrono Trigger — com traços totalmente reconhecíveis, mesmo no formato em 16-bits.

E não para por aqui, pois o título também foi o trabalho de estreia de Yasunori Mitsuda nos videogames, com uma das trilhas sonoras mais marcantes de todos os tempos, ainda que ele não tenha conseguido terminar seu trabalho por motivos de saúde. A pessoa responsável por dar os toques finais na composição foi ninguém menos que Nobuo Uematsu, o gênio responsável pelas músicas de Final Fantasy. Mesmo em retrospecto, é impossível não ficar empolgado com essa reunião de talentos.

Outros nomes, hoje mais conhecidos, também já assinavam Chrono Trigger naquela ocasião, incluindo Tetsuya Nomura, que também ficou conhecido por Kingdom Hearts, e Yoshinori Kitase, que foi “emprestado” de Final Fantasy VII com outros desenvolvedores para oferecer apoio.

Chrono Trigger foi um projeto que mobilizou uma equipe gigantesca e sem precedentes para os padrões da época, começando com cerca de 60 pessoas e chegando a pelo menos “algumas centenas” até o fim do desenvolvimento, segundo Takashi Tokita, um dos diretores e roteirista. Em contraste, os demais jogos da Squaresoft costumavam ter 25 pessoas envolvidas.

Mas o que faz de Chrono Trigger um jogo tão bom?

Dado todo esse contexto, vale mergulhar em alguns dos motivos práticos que tornam Chrono Trigger um RPG atemporal e gostoso de jogar mesmo hoje em dia. Para começar, ele é um jogo tão seguro de si que se viu confortável o bastante para quebrar alguns paradigmas do gênero, como, por exemplo: dispensar os encontros aleatórios com inimigos. 

O jogador consegue antecipar a maior parte dos confrontos e até mesmo evitá-los se for habilidoso o bastante, pois os inimigos são visíveis nos cenários durante a exploração. Isso rende até mesmo algumas interações muito divertidas, como grupos brincando de futebol ou até mesmo se preparando para uma emboscada de maneira bem-humorada – sem perceber que os heróis já estão ali vendo tudo. O grind, aquela prática de matar inimigos sucessivamente para ganhar experiência e vencer os desafios do jogo, também deixou de ser uma obrigação.

Além disso, os combates acontecem no próprio cenário, sem uma tela de transição. Desta forma, o ritmo da aventura não sofre com interrupções indesejadas e consegue manter o jogador totalmente imerso no seu mundo e enredo. O level design coeso e descomplicado também dá o gás necessário para que o jogador queira investigar cada cantinho, sem rodeios desnecessários, dando lugar a um ímpeto de curiosidade que dificilmente passa sem ser recompensado de alguma forma. 

Essas características fazem pensar que, desde a concepção, Chrono Trigger tinha o objetivo de ser democrático – ou seja, ele queria atingir um público maior e que não necessariamente estava habituado ao gênero de RPG. Isso também se traduz no uso do Active Time Battle, herança do Final Fantasy IV (1991), que torna os combates muito mais dinâmicos; e nas habilidades em grupo, que são um espetáculo visual e encorajam a experimentar diferentes composições de equipe.

Outro detalhe que colabora para tornar Chrono Trigger inesquecível é a sua premissa de viagem no tempo, com mais de uma dezena de finais possíveis e inúmeras surpresas. No entretenimento, esse é um tema espinhoso e com grandes chances de dar errado, mesmo tendo sido tendência nos anos 80 e 90. Chrono Trigger, no entanto, faz parecer algo fácil de tão impecável que é a sua execução. O roteiro aposta em tramas simples, diretas ao ponto e que se complementam, guiando o jogador naturalmente pelas diferentes eras – do passado pré-histórico ao futuro pós-apocalíptico – para resolver problemas e reunir aliados. 

Por isso, o elenco de personagens é um dos mais ecléticos da história dos RPGs, especialmente por misturar figuras de diferentes épocas. Todos agregam com suas respectivas jornadas, personalidades e visões de mundo. Vale destacar a forte presença de personagens femininas que assumem protagonismo, quebram estereótipos dos videogames até aquele momento e são muito bem desenvolvidas.

Não é surpresa que Frog, Lucca, Robo, Marle, Ayla e outros continuam figurando em listas de personagens favoritos dos jogadores. Crono, no papel de herói silencioso e descolado, lembrando muito o Trunks de Dragon Ball, dá todo o espaço para que seus amigos brilhem ao longo da trama. E isso não é um demérito, pois funciona maravilhosamente bem.

Parte da genialidade do jogo também está em como o jogador tem liberdade para passear entre as épocas e testemunhar as mudanças dos seus feitos no charmosíssimo mapa-múndi. Isso vale não apenas para a missão principal, mas também para as atividades paralelas.

Quem não se lembra da missão opcional em que é possível reflorestar uma área deserta com a ajuda do Robo? É inacreditável que um jogo tão rico em detalhes, em que tudo cumpre um propósito, caiba em um cartucho de apenas 32 MB. As missões paralelas, que têm foco nos personagens do grupo do jogador, são responsáveis por enriquecer suas histórias e tornam a jogatina ainda mais marcante. Elas também fornecem algumas das melhores armas e equipamentos do jogo.

É até uma ofensa chamá-las de secundárias, tendo em vista o tanto que conseguem agregar à experiência. Elas fazem você se importar verdadeiramente com aqueles personagens, desejando pela boa conclusão dos seus arcos. Muitos jogos atuais falham nesse sentido, provando que Chrono Trigger tem muitos ensinamentos para a forma de se desenvolver jogos hoje em dia.

Um RPG atemporal

Nesses trinta anos de Chrono Trigger, muitos jogos tentaram replicar sua fórmula e até chegaram perto, como foi o caso de Sea of Stars, que conta até mesmo com a colaboração de Yasunori Mitsuda, mas o jogo é inegavelmente um fruto do seu tempo e que foi possível somente sob as suas circunstâncias históricas.

Com jogos progressivamente mais caros para serem desenvolvidos, ciclos gigantescos de desenvolvimento e empresas multibilionárias visando o lucro infinito e insustentável, a existência de Chrono Trigger pode ter sido como um cometa periódico, cujo avistamento se dá a cada século – na melhor das hipóteses.

Se você sempre ouviu falar de Chrono Trigger, mas nunca jogou por qualquer motivo, aproveite a comemoração para dar uma chance — seja via emulação ou com as versões oficiais disponíveis para Steam e dispositivos móveis. É preciso ver para acreditar como o jogo segue sendo muito divertido e engajante nos dias de hoje, envelhecendo como vinho. Se bobear, ele ainda pode entrar na sua lista de jogos favoritos e você com certeza não vai se arrepender.

E quanto a você que teve a infância marcada por Chrono Trigger, aproveite a oportunidade para compartilhar as memórias e indicar o jogo para mais pessoas. É uma das obras mais importantes do mundo dos videogames e que merece ser perpetuada, sempre que houver a oportunidade, para que não se perca de vista aquilo que torna os jogos tão especiais nas nossas vidas.


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