Na última quinta-feira (23), a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas divulgou a lista completa dos filmes e animações que concorrem ao Oscar 2025. Em meio aos indicados, dois nomes vêm chamando a atenção tanto pelo número de indicações que conquistaram, quando por empregarem a inteligência artificial (IA) como parte de seus processos de produção.
Emilia Pérez, de Jacques Audiard, usou a técnica para mudar a voz de canto de sua protagonista, Kara Sofía Gascón, que foi misturada à da cantora Camille. Já O Brutalista, assinado por Brady Cobert, usou uma técnica semelhante para acentuar o sotaque de seus protagonistas, bem para construir vários dos prédios vistos em seus créditos.
Embora sejam defendidas pelas equipes responsáveis pelos longas-metragens, as decisões podem acabar pesando muito em suas chances de levar prêmios do Oscar 2025. Isso porque a inteligência artificial ainda é um assunto sensível em Hollywood, que inclusive esteve no centro da greve do Sindicato de Atores de Tela (SAG-AFTRA) e do Sindicato dos Roteiristas dos EUA (WGA) que paralisou diversas produções em 2023.
O Brutalista usou inteligência artificial para aprimorar sotaques
Em uma entrevista ao RedShark, o diretor e corroteirista de O Brutalista, Brady Corbet, e o editor David Jancso, explicaram como a inteligência artificial foi usada pelo filme. Segundo eles, um programa conhecido como Respeecher foi usado para aprimorar o sotaque húngaro de Adrien Brody, que concorre ao Oscar de Melhor Ator e de Felicity Jones, indicada ao prêmio de Atriz Coadjuvante.
Eles explicaram que o programa permitiu que os personagens falassem corretamente certas letras e sons que os atores não conseguiam falar naturalmente. Em defesa da técnica usada, eles explicaram que soluções de edição de som manuais já são usadas por Hollywood há tempos — a diferença é que as opções tradicionais são muito mais lentas e caras.
“É algo controverso na indústria falar sobre IA, mas não deveria ser”, defendeu Jancso. “Deveríamos estar tendo uma discussão aberta sobre o que as ferramentas com IA podem nos oferecer. Não há nada no filme usando a IA que não tenha sido feito antes. Ela só torna o processo muito mais rápido. Usamos a IA para criar esses pequenos detalhes que não tínhamos o tempo ou o dinheiro para gravar”.
À Variety, o editor também afirmou que o uso do software não substituiu as atuações de Brody e Jones, que trabalharam durante meses com uma técnica vocal para desenvolver seus sotaques. “Esse foi um processo manual, feito por nosso time de som e pelo Respeecher na pós-produção”, justificou.
Emilia Pérez também está ligada à controvérsia
No caso de Emilia Pérez, o Respeecher também foi usado, mas com objetivos ligeiramente diferentes. O software foi empregado para aprimorar a voz de canto da atriz Karla Sofía Gascon, que não conseguia atingir alguns tons exigidos por uma canção. A solução foi misturar sua voz com a da artista francesa Camille, que foi responsável pela coautoria das canções do filme.
Em uma entrevista ao canal do YouTube CTS, Cyrill Holtz, responsável pela mixagem do longa, admitiu que a inteligência artificial foi usada em sua produção. “No caso de Karla Sofía, se tornou mais complicado porque havia partes desse campo que eram extremamente difíceis, especialmente porque ela já tinha feito sua transição e havia registros que não eram mais acessíveis para ela”, afirmou.
A situação dos longas-metragens indicados ao Oscar provocou polêmica nas redes sociais, com muitos apontando que o uso da IA deveria proibi-los de concorrer ao prêmio. Ao mesmo tempo, há quem aponte que técnicas semelhantes já foram usadas por filmes como Bohemian Rhapsody de 2018, e isso não impediu que Rami Malek levasse a estatueta de Melhor Ator.
Por que a IA é polêmica em Hollywood?
Durante a greve do SAG-AFTRA e do WGA, o uso de inteligência artificial foi um dos maiores pontos de discussão entre profissionais e estúdios. Muitos acreditam que a tecnologia tem o potencial de acabar com empregos e destruir carreiras, dada sua capacidade de repetir infinitamente as atuações, vozes e aparências de atores.
De forma semelhante, a IA generativa também é vista como uma forma de gerar novos roteiros a partir de trabalhos pré-existentes, sem que os autores originais sejam recompensados. O acordo dos grupos como a Alliance of Motion Picture prevê que qualquer produção que use a tecnologia deve compensar justamente os membros de suas equipes, incluindo intérpretes que tiveram réplicas digitais feitas.
No entanto, ainda estão em aberto questões como os limites da capacidade de um estúdio de usar a tecnologia para treinar seus algoritmos com obras feitas no passado. Dado que muitos dos membros da Academia que escolhem os vencedores do Oscar são justamente aqueles que podem ser prejudicados por técnicas do tipo, resta ver se isso não vai acabar pesando contra O Brutalista e Emilia Pérez na hora de decidir votos.