Segundo fact-checkings divulgados nesta semana por diversos órgãos de comunicação do mundo inteiro, o discurso de posse do presidente dos EUA, Donald Trump, transitou entre a megalomania e muitas falsidades. Porém, um dos deslizes que mais chamaram a atenção foi a afirmação de que os americanos “dividiram o átomo”.

A declaração provocou protestos imediatos vindos, principalmente, de duas cidades: Nelson, na Nova Zelândia; e Manchester, na Inglaterra. O prefeito da cidade neozelandesas, Nick Smith, se declarou “um pouco surpreso”, no Facebook, com a afirmação de Trump “quando essa honra pertence ao filho mais famoso e favorito de Nelson [o físico Ernest Rutherford]”.

Mais protestos vieram da Universidade de Manchester, cujos cientistas fizeram o “avanço fundamental” na divisão do átomo, segundo o professor de história da tecnologia dr. James Sumner. De forma elegante, o historiador argumenta que o presidente pode ter confundido a descoberta com a criação posterior da bomba atômica.

Afinal, o que é a “divisão do átomo” e quem fez isso?

A divisão do átomo é . (Fonte: Getty Images/Reprodução)
A divisão do átomo é o nome popular da fissão nuclear. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Também conhecida como fissão nuclear, a divisão do átomo consiste em quebrar o núcleo de um átomo, separando seus prótons e nêutrons. O resultado é a liberação de uma quantidade imensa de energia. Isso demonstra, na prática, a famosa equação de Einstein, E = mc², ou seja, a matéria pode ser transformada em energia.

Em entrevista ao The Washington Post, a professor de ciência na sociedade, Rebecca Priestley, da Universidade Victoria de Wellington, na Nova Zelândia, explicou que “dividir o átomo” não é uma frase científica precisa. O termo tem sido usado há mais de 120 anos para reconhecer os cientistas que identificaram e manipularam as partes de um átomo que, até então, era tido como a menor partícula de matéria conhecida.

Nesse sentido, J.J. Thomson, um professor de física experimental na Universidade de Cambridge, descobriu o elétron em 1897 e propôs um modelo do átomo em 1904. Mas somente em 1911, Rutherford descobriu que o núcleo atômico é composto de partículas como prótons e nêutrons, após bombardear uma fina folha de ouro com partículas alfa.

A primeira divisão (real) do átomo

x. (Fonte: Universidade de Manchester)
Ernest Rutherford com Hans Geiger (à esquerda) no famoso experimento de transformação de nitrogênio em oxigênio. (Fonte: Universidade de Manchester)

Todos esses experimentos relatados por Priestley eram modelos científicos baseados em observações experimentais, até que, em 1917, Rutherford e seus colegas “puseram a mão na massa”, ou seja, manipularam o próprio átomo. E aqui entra em cena a Universidade de Manchester, onde foram realizados os experimentos que transformaram átomos de nitrogênio em átomos de oxigênio.

Embora, tecnicamente, isso tenha sido uma “transmutação de elementos químicos”, Rutherford evitou usar o termo para evitar associações com a alquimia, chamando a descoberta de “desintegração”. Mas as manchetes de jornais do mundo inteiro apregoaram que Rutherford havia “dividido o átomo”, explica Priestley.

A divisão real, no entanto, só veio em 1932, mais uma vez sob a liderança de Rutherford, porém no Laboratório Cavendish, da Universidade de Cambridge. Usando um acelerador de partículas capaz de esmagar prótons em átomos de lítio, os físicos britânicos John Cockcroft e Ernest Walton fizeram uma importante observação: os núcleos de lítio se dividiram em dois núcleos de hélio, liberando um flash de energia.

As reações nucleares em cadeia

As reações nucleares em cadeia culminaram com a invenção da bomba atômica. (Fonte: Getty Images/Reprodução)
As reações nucleares em cadeia culminaram com a invenção da bomba atômica. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Depois que Cockcroft e Walton dividiram pela primeira vez um átomo com meios artificiais, coube aos alemães Otto Hahn e Fritz Strassmann realizar a primeira fissão nuclear no elemento pesado urânio em 1938, experimento fundamental para o desenvolvimento da primeira bomba atômica. Embora tenha feito parte ativa na descoberta, a física Lise Meitner teve que fugir da Alemanha nazista, por ser judia, antes do experimento final.

Foi esse trabalho que deu “o pontapé inicial” na descoberta das reações nucleares em cadeia, que tanto serviram para gerar energia quanto para produzir armamentos. Pode ser que tenha sido nesse ponto que o presidente Trump tenha se confundido, pois a primeira reação em cadeia nuclear foi realizada em Chicago no ano de 1942, porém por um imigrante italiano, o físico Enrico Fermi.

Em sua declaração à BBC, James Sumner se diz decepcionado com o descuido histórico de Trump, que confundiu fissão nuclear com a criação da bomba atômica. Tais mal-entendidos, pondera o professor de história, vêm da mitificação de avanços científicos, e do reducionismo de grandes descobertas complexas e colaborativas a uma só figura ou nação. “Eu não acho que ele [Trump] sabia realmente do que estava falando”, conclui.

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