Por volta das 11h30 da última terça-feira, 24 de maio, um jovem de 18 anos, chamado Salvador Ramos, vestido um colete à prova de balas e armado com um rifle, entrou na escola Robb Elementary School, em Uvalde (Texas, EUA), e abriu fogo. Ele assassinou 19 crianças e dois professores.

Segundo o senador do Texas, Roland Gutierrez, em entrevista à CNN, o atirador comprou legalmente dois rifles em uma loja de armas local assim que completou 18 anos. As armas foram adquiridas em duas datas, em 17 e 20 de março de 2022. Ele também estava em posse de 375 cartuchos de munição. Ramos morreu durante uma troca de tiros com a polícia.

Às 11h19 de 20 de abril de 1999, os estudantes da Columbine High School (Colorado, EUA) foram surpreendidos por Eric Harris e Dylan Klebold, em posse de 5 tipos de armas de fogo diferentes, responsáveis por causar a morte de 12 alunos. 

Em 14 de dezembro de 2012, o mesmo aconteceu quando Adam Lanza atravessou os portões da Sandy Hook Elementary School (Connecticut, EUA) com um rifle e 2 pistolas, assassinando 26 pessoas, entre estudantes e professores.

(Fonte: O Tempo/Reprodução)(Fonte: O Tempo/Reprodução)

Cenas como a que aconteceu recentemente no Texas, existem na cronologia dos EUA desde 2 de novembro de 1853, quando o estudante Matthew Ward matou em sala de aula o professor de seu irmão; contudo, se tornaram mais populares, violentas e sangrentas a partir da segunda metade do século XX.

Os dados da Everytown Research & Policy, mostraram que, desde 2009, houve 274 tiroteios em massa nos EUA, resultando em 1.536 pessoas baleadas e mortas, dos quais 11% aconteceram em escolas. O Small Arms Survey relata que os americanos possuem 393 milhões de armas, dos quais 44% podem ser encontradas em lares, como mostra a pesquisa de 2020 do Instituto Gallup. E o relatório de 2017 do Pew Research Center mostrou que quase metade dos americanos conhece alguém que já foi baleado.

O começo de tudo

(Fonte: Fallout Wiki/Reprodução)(Fonte: Fallout Wiki/Reprodução)

Para entender como os EUA chegaram a esses números, e acabou consumido pela cultura da arma, é necessário voltar para o fim da Guerra Civil, quando os fabricantes de armas convenceram lojas de produtos a venderem revólveres, endereçando aos pais anúncios em jornais alegando que um rifle ajudaria “meninos de verdade” a desenvolverem uma “masculinidade mais consistente”.

A indústria expandiu o negócio vertiginosamente, e o fim da escravidão e todo o período de perseguição pública e institucional aos negros, ajudou na formação de grupos armados, muitos dos quais buscavam “se proteger” dos negros libertos, outros para coagi-los — assim se formou as raízes do discurso de que armas precisam ser cedidas a populares como proteção.

Em 15 de dezembro de 1791, a ratificação da Segunda Emenda Constitucional dos Estados Unidos, protegeu o direito de um cidadão manter e portar armas para autodefesa. No início de 1900, 43 estados limitavam ou proibiam armas em locais públicos, mas a Lei Federal de Controle de Armas de 1968, promulgada após os assassinatos dos Kennedy e de Martin Luther King Jr., surgiu com o intuito de apenas “supervisionar” melhor o porte, sem querer bani-lo.

Fechando os olhos

(Fonte: Online Essay Help/Reprodução)(Fonte: Online Essay Help/Reprodução)

A influência das guerras, conflitos, instabilidades sociais e culturais enfrentados pelos americanos na metade do século XX, aumentou o argumento de venda e posse de armas pelo governo, ainda que em 1999, a maioria dos proprietários tenha dito manterem armas para caça e tiro ao alvo, e apenas 26% para uso pessoal. A Pesquisa Nacional de Armas de Fogo de 2015, indicou que 63% dos entrevistados citaram autodefesa como o principal motivo para ter uma arma.

Toda a ênfase da sociedade em autodefesa só serviu para dizimar as restrições ao porte de armas e aumentar os índices de criminalidade nas ruas, em escolas e nos lares. Chicago e Nova York, duas cidades que possuem as leis mais rigorosas em controle de armas, sofrem com os índices de crimes mais violentos. Em 2020, o aumento de 50% nas taxas de tiroteios e assassinatos em Chicago fez dela a “cidade mais assassina do país”; enquanto Nova York alcançou estatísticas de 41% em homicídios e 95% em tiroteios.

(Fonte: Gallup News/Reprodução)(Fonte: Gallup News/Reprodução)

Para os defensores de armas que sustam a fala de que só é necessário leis ainda mais rigorosas no ato de compra para diminuir a criminalidade, o estudo do governo de Barack Obama, feito em 2016 pelo Bureau of Justice Statistic, examinou como os presos obtiveram armas de fogo para usarem durante os crimes, e os resultados apontaram — nada surpreendentemente — que apenas 10,1% deles conseguiram por uma fonte de varejo. A maioria adquiriu por vendas clandestinas ou ilegais, emprestou, trocou ou alugou com familiares que compraram legalmente, ou roubou de suas vítimas.

Os viciados, aqueles com antecedentes criminais ou alguém com problemas de saúde mental conseguirão adquirir uma arma legalmente. A verificação de antecedentes é burlada na maioria dos casos, bem como os formulários de vício e saúde mental podem ser alterados, ainda que seja um crime federal.

Negando o óbvio

(Fonte: The Journal/Reprodução)(Fonte: The Journal/Reprodução)

Por outro lado, a pesquisa elaborada ao longo de 12 anos na Califórnia pela Universidade de Stanford, mostrou que entre 2012 e 2016, adultos no estado que não possuíam arma, mas moravam com alguém que tinha, eram duas vezes mais propensos a morrer em crimes domiciliares do que seus vizinhos desarmados.

Entre as 866 vítimas de homicídio em suas casas durante o período estudado, os coabitantes de proprietários de armas de fogo eram sete vezes mais propensos de serem mortos por alguém que os amava do que os adultos de lares sem armas.

A meta-análise de 2014 da Annals of Internal Medicine, endossou esse estudo discutindo que o acesso a uma arma triplica o risco de suicídio e dobra o de homicídio. Uma mulher que vive com um parceiro abusivo, aumenta o risco em cinco vezes de ser assassinada por seu parceiro, vítima de uma arma de fogo.

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Em meio a esse cenário caótico, em artigo para a Scientic American, em 2017, a jornalista Melinda Wenner refletiu como a arma é um agente modulador em toda a situação. A posse de arma, de fato, propicia crimes, principalmente diante da noção sem sentido de que mais armas leva a menos crimes.

“Quando todos os estudos apontam na mesma direção, podemos nos sentir confiantes de que a flecha aponta para a verdade — que é, neste caso, que as armas não inibem o crime e a violência, mas pioram”, escreve ela.

E para aqueles que persistem na ideia popular que estampa adesivos com frases do tipo “armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”, Wenner concorda, mas sob uma reflexão: quem está no caminho entre uma pessoa e a vontade de matar?

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